AS DEZ GERAÇÕES: Matusalém
Depois do traslado de Enoque, Matusalém foi proclamado governante da terra por todos os reis. Ele seguiu nas pegadas do pai, ensinando a verdade, o conhecimento e o temor de Deus aos filhos dos homens durante toda a sua vida, sem desviar-se do caminho da retidão nem para a esquerda nem para a direita.
Matusalém livrou o mundo de milhares de demônios, a posteridade que Adão havia gerado com Lilith, a mais demoníaca entre os demônios-fêmea. Esses demônios e espíritos malignos buscavam ferir e mesmo matar qualquer homem que encontrassem, até que Matusalém apareceu suplicando pela misericórdia de Deus. Ele passou três dias em jejum, depois do que Deus deu a ele permissão de escrever o seu Nome Inefável numa espada, com a qual matou noventa e quatro miríades de demônios num unico minuto – até que Agrimus, o primogênito dentre eles, veio até Matusalém implorando que ele parasse, ao mesmo tempo em que lhe entregou os nomes dos demônios e diabretes. Assim Matusalém prendeu os reis deles em cadeias de ferro, enquanto que os restantes fugiram e esconderam-se nas câmaras e recessos mais interiores do oceano. E foi por causa dessa maravilhosa espada, por meio da qual os demônios foram mortos, é que ele recebeu o nome de Matusalém/homem da lança.
Era homem tão piedoso que compunha duzentas e trinta parábolas em louvor a Deus para cada palavra que proferia. Quando ele morreu as pessoas ouviram uma grande comoção no céu, e viram novecentas fileiras de lamentadores, correspondendo às novecentas ordens da Mishná que ele havia estudado, e lágrimas rolaram dos seres santos sobre o lugar em que ele havia morrido. Vendo a dor dos celestiais, as pessoas na terra também lamentaram o fim de Matusalém, e Deus por essa razão os recompensou, acrescentando sete dias ao tempo de graça que havia ordenado antes de trazer a destruição sobre a terra por meio de um dilúvio de água. AS DEZ GERAÇÕES: O traslado de Enoque
A pecaminosidade dos homens foi a razão pela qual Enoque foi trasladado ao céu; assim disse o próprio Enoque ao rabi Ishmael. Depois que a geração do dilúvio transgrediu e disse a Deus “Deixe-nos em paz, porque não queremos conhecer os seus caminhos”, Enoque foi carregado ao céu, para servir ali como testemunha de que Deus não era um Deus cruel, a despeito da destruição decretada sobre todas as coisas vivas da terra.
Quando Enoque, sob a condução do anjo ‘Anpiel, foi carregado da terra para o céu, os seres santos, os ofanins, os serafins, os querubins, todos os que movem o trono de Deus, bem como os espíritos ministrantes cuja substância é fogo consumidor – todos esses, à distância de seiscentos e cinqüenta milhões e trezentas parasangas, perceberam a presença de um ser humano, e exclamaram: – De onde vem esse odor de um nascido de mulher? Como pode ele entrar no mais elevado dos anjos reluzentes de fogo?
Porém Deus respondeu:
– Ah, meus servos e exércitos, vocês, meus querubins, ofanins e serafins, não seja isto ofensa para vocês, pois todos os filhos dos homens rejeitaram a mim e à minha potente autoridade e prestaram reverência aos ídolos, pelo que transferi a Shekiná da terra para o céu. Porém esse homem, Enoque, é o eleito dos homens. Há nele mais fé, justiça e integridade do que em todos os outros; ele é a única recompensa que extraí do mundo terrestre.
Antes que Deus pudesse ser admitido no serviço junto ao trono divino os portões da sabedoria foram abertos para ele, bem como os portões da compreensão, do discernimento, da vida, da paz, da Shekiná, da força e do poder, da potência, da amabilidade, da graça, da humildade e do temor ao pecado.
Equipado por Deus com sabedoria, sagacidade, discernimento, conhecimento, erudição, compaixão, amor, bondade, graça, humildade, força, poder, potência, esplendor, beleza, harmonia de proporções e todas as outras qualidade de excelência em medida extraordinária, mais do que já foi concedido a qualquer ser celestial, Enoque recebeu ainda muitos milhares de bençãos de Deus, e sua altura e extensão tornaram-se idênticos à altura e à extensão do mundo; trinta e seis asas foram anexadas ao seu corpo, à direita e à esquerda, cada uma delas grande como o mundo, e lhe foram concedidos trezentos e sessenta e cinco mil olhos, cada um deles brilhante como o sol.
Um trono magnífico foi erguido para ele ao lado dos portões do sétimo palácio celestial, e um arauto proclamou em todo o céu a respeito de Enoque que dali em diante ele deveria ser chamado de Metatron nas regiões celestes.
– Nomeio meu servo Metatron príncipe e líder sobre todos os príncipes do meu domínio, com única exceção dos oito príncipes augustos e exaltados que levam meu nome. Qualquer anjo que tiver um pedido a me propor deve apresentar-se diante de Metatron, e aquilo que a meu comando ele ordenar vocês devem observar e colocar em prática, pois o príncipe da sabedoria e o príncipe do discernimento estão a serviço dele, e irão lhe revelar as ciências dos celestiais e dos terrestres, o conhecimento da ordem presente do mundo e o conhecimento da ordem futura do mundo. Além disso, faço-o guardião dos tesouros dos palácios no céu ‘Arabot, e dos tesouros de vida que estão no mais alto céu.
Pelo amor que nutria por Enoque, Deus trajou-o com uma roupa magnífica, à qual estavam presos todos os tipos de luminárias existentes, e uma coroa reluzente com 49 pedras preciosas, cujo esplendor penetrava todas as partes dos sete céus e os quatro cantos da terra. Na presença da família celestial Deus colocou essa coroa sobre a cabeça de Enoque, chamando-o de “pequeno Senhor”. [A coroa] traz também as letras através das quais o céu e a terra foram criados, e os rios e mares, montanhas e vales, planetas e constelações, relâmpago e trovão, neve e granizo, tempestade e furacão – estas e também todas as coisas necessárias no mundo, bem como os mistérios da criação.
Mesmo os príncipes do céu tremem quando vêem Metatron, e prostram-se diante dele; são tomados de assombro diante de sua magnificência e majestade, e do esplendor e da beleza que irradiam dele. Mesmo Samael, o maior entre eles, mesmo Gabriel, o anjo do fogo, Bardiel, o anjo do relâmpagao, Za’miel, o anjo do furacão, Zakkiel, o anjo da tempestade, Sui’el, o anjo do terremoto, Ra’shiel, o anjo do redemoinho, Shalgiel, o anjo da neve, Matriel, o anjo da chuva, Shamshiel, o anjo do dia, Leliel, o anjo da noite, Galgiel, o anjo do sistema solar, Ofaniel, o anjo da roda da lua, Kobabiel, o anjo das estrelas e Rahtiel, o anjo das constelações.
Quando Enoque foi transformado em Metatron seu corpo tornou-se fogo celestial – sua carne tornou-se chama, suas veias fogo, seus ossos brasas ardentes, a luz de seus olhos claridade celestial, seus glóbulos oculares tochas de fogo, seu cabelo flama reluzente, todos os seus membros e orgãos faíscas ardentes, e sua constituição um fogo consumidor. À sua direita cintilavam chamas de fogo, à sua esquerda ardiam tochas de fogo, e por todos os lados ele era cingido por tempestade e redemoinho, por furacão e soar de trovões.
NOÉ: O nascimento de Noé
Matusalém tomou uma esposa para seu filho Lameque, e ela deu à luz um filho. O corpo do bebê era branco como a neve e vermelho como uma rosa em flor; o cabelo da sua cabeça e seus compridos cachos eram brancos como a lã, e seus olhos como raios de sol. Quando abria os olhos ele iluminava toda a casa, tal qual o sol, e toda a casa ficava inteiramente repleta de luz.
Assim que foi tomado da mão da parteira ele abriu sua boca em louvor ao Senhor da integridade. Seu pai, Lameque, ficou com medo dele e fugiu. Foi até seu próprio pai, Matusalém, e disse:
– Gerei um filho estranho. Ele não é como um ser humano, mas se parece com os filhos dos anjos do céu. Sua natureza é diferente; ele não é como nós, seus olhos são como raios de sol e suas feições são gloriosas. A mim parece que ele não foi gerado por mim, mas por anjos, e temo que nos seus dias alguma maravilha recaia sobre a terra. E agora, meu pai, estou aqui para pedir e implorar que o senhor vá até Enoque, nosso pai, e descubra com ele a verdade, pois ele reside entre os anjos.
Quando ouviu as palavras do filho Matusalém foi até Enoque, nos confins da terra, e chamou-o em voz alta. Enoque ouviu a sua voz e apareceu diante dele, e perguntou a razão de sua vinda. Matusalém contou-lhe a causa de sua ansiedade, e pediu que a verdade lhe fosse revelada.
Enoque respondeu, dizendo:
– O Senhor fará uma coisa nova sobre a terra. Sobrevirá à terra uma grande destruição e um dilúvio de um ano. Esse filho que lhe foi concedido será poupado sobre a terra, e os três filhos dele serão salvos com ele, quando morrer toda a humanidade sobre a terra. Haverá uma grande punição sobre a terra, e a terra será purificada de toda impureza. Agora faça saber a seu filho Lameque que o menino que nasceu é de fato seu filho, e que ele deve ser chamado de Noé/descanso, pois ele será deixado [ileso] em beneficio de vocês. Ele e os filhos dele serão salvos da destruição que recairá sobre a terra.
Depois de ouvir de seu pai essas palavras, que lhe revelara todas as coisas ocultas, Matusalém voltou para casa e deu ao menino o nome de Noé, pois daria à terra motivo de alegria em compensação por toda a destruição.
Apenas seu avô, Matusalém, chamava-o de Noé; seu pai e todos os demais chamavam-no de Menaém. Sua geração era obcecada por magia, e Matusalém temia que seu neto fosse enfeitiçado caso seu verdadeiro nome fosse conhecido, pelo que o manteve em segredo. Menaém, “Aquele Que Conforta”, cabia-lhe tão bem quanto Noé; indicava que ele seria um consolador, porém apenas se os malfeitores do seu tempo se arrependessem de seus delitos.
Logo na ocasião do seu nascimento sentiu-se que ele traria conforto e libertação. Quando o Senhor lhe dissera “Maldito é o solo por sua causa”, Adão havia perguntado “Por quanto tempo?”, e Deus respondera “Até que nasça um menino conformado de tal forma que não será necessário executar nele o rito da circuncisão”. Isso cumpriu-se em Noé, que foi circuncidado desde o ventre de sua mãe.
Noé mal havia chegado ao mundo e percebeu-se uma notável mudança. Desde de que o solo havia sido amaldiçoado por causa do pecado de Adão acontecia que quando se semeava trigo o que brotava e crescia era aveia. Isso parou de acontecer com o surgimento de Noé, e a terra passou a produzir os frutos que se plantava nela. Além disso foi Noé que, quando chegou à maturidade, inventou o arado, a foice, a enxada e outros implementos usados no cultivo do solo. Antes dele os homens lavravam a terra com suas próprias mãos.
Houve outro sinal para indicar que o filho nascido de Lameque estava destinado a desempenhar um papel extraordinário. Ao criar Adão Deus dera a ele o domínio sobre todas as coisas: a vaca obedecia o lavrador e o sulco do arado deixava-se abrir com facilidade. Porém com a queda de Adão as coisas rebelaram-se contra ele; a vaca passou a recusar obediência ao lavrador, e o sulco do arado tornou-se reticente. Noé nasceu e tudo voltou a ser como era antes da queda do homem.
Antes do nascimento de Noé o mar costumava transgredir os seus limites duas vezes por dia, de manhã e à noitinha, inundando a terra a ponto de molestar as sepulturas. Depois do seu nascimento o mar passou a restringir-se aos seus limites. E a fome que afligia o mundo na época de Lameque, a segunda das dez grandes fomes determinadas a lhe sobrevir, cessou sua devastação com o nascimento de Noé.
NOÉ: A punição dos anjos caídos
Quando atingiu a maturidade Noé seguiu os passos de seu avô Matusalém, enquanto todos os outros homens voltaram-se contra esse piedoso rei. Longe de obedecerem os seus preceitos, perseguiram a inclinação maligna de seus corações e perpetraram toda sorte de feitos abomináveis.
Em grande parte foram os anjos caídos e sua posteridade de gigantes que ocasionaram a depravação da humanidade. O sangue derramado pelos gigantes clamava da terra até o céu, e os quatro arcanjos acusaram os anjos caídos e seus filhos diante de Deus, pelo que ele deu-lhes uma série de ordens. Uriel foi enviado a Noé para anunciar que a terra seria destruída por um dilúvio, e ensiná-lo como salvar sua própria vida. A Rafael foi dito que acorrentasse o anjo caído Azazel, arremessasse-o num poço com pedras pontiagudas e perfurantes no deserto de Dudael, e cobrisse-o de trevas, para que assim permanecesse até o grande dia do julgamento, quando seria jogado num poço ardente do inferno, e a terra seria curada da corrupção que ele havia intentado contra ela. Gabriel foi encarregado de agir contra os ilegítimos e réprobos, os filhos que os anjos haviam gerado com as filhas dos homens, precipitando-os em conflitos mortais uns contra os outros. A descendência de Shemhazai foi colocada nas mãos de Miguel, que levou-os em primeiro lugar a testemunharem a morte de seus filhos em combate sangrento uns contra os outros, e em seguida amarrou-os e fixou-os debaixo das montanhas da terra. onde permanecerão por setenta gerações, até o dia do julgamento, quando serão carregados dali ao poço ardente do inferno.
A queda de Azazel e de Shemhazai aconteceu da seguinte forma: quando a geração do dilúvio começou a praticar idolatria Deus ficou profundamente entristecido. Os dois anjos, Shemhazai e Azazel, então levantaram-se e disseram:
– Ó, Senhor do mundo! Aconteceu o que foi previsto por ocasião da criação do mundo e do homem: “Que é o homem, para que te lembres dele?”
E Deus disse:
– E o que será do mundo sem o homem?
Responderam os anjos:
– Ocuparemo-nos nós dele.
E Deus disse:
– Sei muito bem disso, e sei que se habitassem sobre a terra a inclinação maligna tomaria conta de vocês, e vocês seriam mais perversos ainda do que os homens.
Os anjos suplicaram:
– Dê-nos permissão de habitar entre os homens, e o senhor verá que honraremos o seu nome.
Deus concedeu o seu pedido, dizendo:
– Desçam e habitem entre os homens.
Quando chegaram à terra e contemplaram a beleza e a graça das filhas dos homens os anjos não conseguiram conter sua paixão. Shemhazai viu uma moça chamada Istehar e perdeu por ela o coração. Ela prometeu que se entregaria a ele depois que ele lhe ensinasse o Nome Inefável, por meio do qual ele se alçava até o céu. Ele concordou. Porém assim que tomou conhecimento do Nome ela o pronunciou, e ascendeu ao céu ela mesma ao céu, sem cumprir sua promessa ao anjo. E Deus disse: – Por ter-se mantida longe do pecado, darei a ela um lugar entre as sete estrelas, para que os homens nunca a esqueçam.
E ela foi colocada na constelação das Plêiades.
Shemhazai e Azazel, no entanto, não abandonaram a idéia de entrar em alianças com as filhas do homem, e o primeiro teve dois filhos. Azazel começou a projetar os adereços e os ornamentos através dos quais as mulheres seduzem os homens. Diante disso Deus mandou Metraton dizer a Shemhazai que tinha resolvido destruir o mundo e provocar um dilúvio. O anjo caído começou então a chorar o destino do mundo e de seus dois filhos. Se o mundo viesse abaixo o que eles iriam comer, eles que careciam diariamente de mil camelos, mil cavalos e mil novilhos?
Os dois filhos de Shemhazai, chamados Hiwwa e Hiyya, tiveram sonhos. Um deles viu uma grande pedra coberta de terra, e a terra estava toda marcada com linha após linha de escrita. Um anjo então veio, e com sua faca obliterou todas as linhas, deixando sobre a terra apenas quatro letras. O outro filho viu uma alameda aprazível plantada com toda sorte de árvores. Mas os anjos vieram trazendo machados e derrubaram as árvores, deixando uma única árvore com três de seus galhos.
Quando acordaram, Hiwwa e Hiyya foram até seu pai, que interpretou-lhes os sonhos:
– Deus trará um dilúvio, e ninguém escapará com vida a não ser Noé e seus filhos.
Quando ouviram isso os dois começaram a gritar e chorar, mas seu pai confortou-os:
– Calma, calma, não se aflijam. Todas as vezes que os homens cortarem ou erguerem pedras, ou lançarem embarcações, os nomes de vocês será invocados: Hiwwa! Hiyya!
Esta profecia os aplacou.
Shemhazai então fez penitência. Posicionou-se suspenso entre o céu e a terra, e nesta posição de pecador penitente ele paira até hoje. Azazel, no entanto, persistiu obstinadamente em seu pecado de desencaminhar a humanidade através de atrativos sensuais. Por essa razão dois bodes eram sacrificados no Templo no Dia do Perdão, um por Deus, para que perdoasse os pecados de Israel, o outro por Azazel1, para que levasse os pecados de Israel. Ao contrário de Istehar, a donzela piedosa, Naamah, a atraente irmã de Tubal-Caim, desencaminhou os anjos com sua beleza, e da sua união com Shamdon nasceu o demônio Asmodeu. Ela era despudorada como todos os descendentes de Caim, e como eles propensa a indulgências bestiais.
As mulheres e os homens cainitas tinham o costume de andarem nus em todo lugar, entregando-se a todo tipo concebível de prática libidinosa. Tais foram as mulheres cuja beleza e charme sensual tentaram os anjos para longe do caminho da virtude. Os anjos, por outro lado, mal haviam-se rebelado contra Deus e descido à terra quando perderam suas qualidades transcendentais, sendo investidos de corpos sublunares, de modo que a união com as filhas dos homens tornou-se possível.
O fruto dessas alianças entre os anjos e as mulheres cainitas foram os gigantes, conhecidos por sua força e pecaminosidade; como indica o próprio nome que receberam, Emim/aterrorizantes, os gigantes inspiravam temor. Tiveram além desse muitos outros nomes. Às vezes eram chamados Refaim/fantasmas, porque bastava olhar para eles para enfraquecer o coração; ou eram chamados simplesmente de Gibborim/gigantes, porque eram tão enormes que suas coxas mediam dezoito varas; ou pelo nome Zamzummin, porque eram grandes mestres da guerra; ou pelo nome Anakim/pescoçudos, porque tocavam o sol com seus pescoços; ou pelo nome Ivim, porque, como a serpente, sabiam julgar as qualidades do solo; ou, finalmente, pelo nome Nefilim/caídos, porque, ao ocasionarem a queda do mundo, eles mesmos caíram. NOÉ: A geração do dilúvio
Enquanto os descendentes de Caim assemelhavam-se a seu ancestral em sua depravação e pecaminosidade, os descendentes de Sete levavam uma vida piedosa e ordeira, sendo que a diferença entre as duas linhagens refletia-se em seus locais de residência. A família de Sete fixara-se nas montanhas próximas ao Paraíso, enquanto a família de Caim residia no campo de Damasco, o lugar onde Abel foi assassinado por Caim.
Infelizmente, na época de Matusalém, logo após a morte de Adão, a família de Sete corrompeu-se à maneira dos cainitas. As duas linhagens uniram-se uma à outra a fim de cometerem toda espécie de perversidade. O resultado dos casamentos entre elas foram os Nephilim, cujos pecados ocasionaram o dilúvio sobre o mundo. Em sua arrogância esses alegavam ter o mesmo pedigree da posteridade de Sete, e comparavam-se a príncipes e homens de ascendência nobre.
A licenciosidade desta geração deveu-se até certo ponto às condições favoráveis de que desfrutava a humanidade antes do dilúvio. Não conheciam trabalho árduo nem preocupação, e como resultado de sua extraordinária prosperidade tornaram-se insolentes; em sua arrogância, voltaram-se contra Deus.
Uma única semeadura produzia uma colheita suficiente para suprir as necessidades de quarenta anos, e por meios mágicos as pessoas conseguiam fazer com que os próprios sol e lua se dispusessem ao seu serviço.
A criação de filhos não lhes dava qualquer trabalho. Nasciam depois de uns poucos dias de gravidez, e imediatamente após o nascimento sabiam andar e falar; ajudavam eles mesmos a mãe a cortar o cordão umbilical. Certa vez um recém-nascido, correndo para buscar uma luz para que sua mãe pudesse cortar o cordão umbilical, encontrou o chefe dos demônios, e teve início uma altercação entre os dois. Ouviu-se de repente o canto do galo, e o demônio fugiu depressa, gritando para o bebê:
– Vá contar à sua mãe que se não fosse o canto do galo eu teria matado você!
O bebê retrucou:
– Vá contar à sua mãe que se não fosse meu cordão umbilical eu teria matado você!
Foi essa vida sem preocupações que deu a eles espaço e tempo livre para suas infâmias. Por algum tempo Deus, em sua bondade paciente, foi tolerante com as perversidades dos homens, mas sua tolerância terminou quando as pessoas começaram a viver vidas devassas – pois “Deus é paciente com todos os pecados, menos com a imoralidade”.
O outro pecado que apressou o fim da geração perversa foi sua rapacidade. Tão astuciosas eram suas depredações que a lei não podia tocá-los. Se um camponês trazia ao mercado uma cesta de vegetais, as pessoas passavam-lhe do lado e, uma após outra, subtraiam um pedacinho de cada vez; cada pedaço não tinha grande valor em si, mas logo ao vendedor não restava o que vender.
Mesmo depois que havia decidido pela destruição dos pecadores, Deus permitiu que sua misericórdia prevalecesse, pelo que mandou-lhes Noé, que exortou-os por cento e vinte anos a corrigirem sua conduta, acenando sempre com a ameaça do dilúvio. Eles porém nada faziam além de ridicularizá-lo. Quando viram ocupando-se da construção da arca, perguntavam:
– Pra quê essa arca?
Noé:
– Deus trará um dilúvio sobre vocês.
Os pecadores:
– Que espécie de dilúvio? Se ele mandar um dilúvio de fogo, contra isso nós sabemos nos proteger. Se for um dilúvio de água e a água brotar do solo, fecharemos [os buracos] com barras de ferro; se descer do alto, conhecemos uma solução para isso também.
Noé:
– As águas brotarão de sob os seus pés, e vocês não terão como impedi-las.
Eles em parte persistiram na dureza de seus corações porque Noé havia anunciado que o dilúvio não desceria enquanto o piedoso Matusalém habitasse entre eles. Quando encerrou-se período de cento e vinte anos de suspensão da pena que Deus havia apontado, Matusalém morreu, mas em consideração pela memória desse homem piedoso Deus deu a eles uma semana adicional, a semana de luto por ele. Durante esse período de graça as leis da natureza foram suspensas: o sol levantava-se no oeste e punha-se no leste. Aos pecadores Deus deu as guloseimas que aguardam o homem no mundo futuro, a fim de mostrar-lhes aquilo a que estavam perdendo direito. Mas tudo isso mostrou-se infrutífero e, tendo Matusalém e os outros homens piedosos da geração dele partido desta vida, Deus trouxe o dilúvio sobre a terra.
NOÉ: O livro santo
Foi necessária grande sabedoria na construção da arca, que deveria ter espaço para abrigar todos os seres da terra, até mesmo os espíritos. Apenas para os peixes não foi necessário prover lugar. Noé adquiriu a sabedoria necessária no livro que Adão deu ao anjo Raziel, no qual todo conhecimento celestial e terreno está registrado.
Enquanto o primeiro casal estava ainda no paraíso, aconteceu certa vez que Samael, acompanhado de um rapazinho, chegou até Eva e pediu que ela ficasse de olho em seu filho até que ele voltasse. Eva prometeu que o faria.
Quando voltou de uma caminhada pelo paraíso, Adão encontrou com Eva uma criança berrando e chorando muito; em resposta à sua pergunta, Eva contou-lhe que o menino era de Samael. Adão ficou irritado, e sua irritação foi crescendo à medida em que o menino chorava e berrava com mais violência. Em sua exasperação, Adão desferiu-lhe um golpe que acabou matando o garoto.
O cadáver porém não parou de chorar e lamentar-se, e não parou nem mesmo quando Adão cortou-o em pedaços. Para livrar-se da praga Adão cozinhou os restos do menino, e ele e Eva comeram-no.
Mal tinham terminado e Samael apareceu exigindo seu filho. Os dois malfeitores tentaram negar tudo; fingiram que não sabiam do menino. Porém Samael disse a eles:
– Quê! Vocês ousam mentir, quando no futuro Deus dará a Israel a Torá, que diz: “não darás falso testemunho”?
Enquanto eles assim falavam, a voz do menino assassinado fez-se ouvir do coração de Adão e Eva, e disse a Samael as seguintes palavras:
– Pode ir embora! Penetrei o coração de Adão e o coração de Eva, e jamais deixarei em paz os seus corações, nem os corações de seus filhos, nem os dos filhos de seus filhos, até o fim de todas as gerações.
Samael partiu, mas Adão ficou profundamente arrependido; vestiu-se de saco e cinza e jejuou por muitos, muitos dias, até que Deus apareceu a ele e disse:
– Meu filho, não tenha medo de Samael. Darei a você um remédio que irá ajudá-lo contra ele, porque foi a meu pedido que ele foi até você.
– Qual é esse remédio? – perguntou Adão.
Deus:
– A Torá.
Adão:
– E onde está a Torá?
Deus então deu a ele o livro do anjo Raziel, o qual ele estudou dia e noite. Passado algum tempo os anjos visitaram Adão e, invejosos da sabedoria que ele havia extraído do livro, tentaram destruí-lo através de astúcia, chamando-o de deus e prostando-se diante de Adão, apesar do protesto deste:
– Não ajoelhem-se diante de mim! Exaltem a Deus comigo; louvemos juntos o seu nome.
Porém a inveja dos anjos era tamanha que eles acabaram roubando o livro que Deus dera a Adão, atirando-o no mar. Adão procurou-o em vão em todo lugar, e a perda afligiu-o profundamente. Mais uma vez ele jejuou por muitos dias, até que Deus lhe apareceu e disse:
– Não tenha medo! Darei o livro de volta a você.
Deus chamou então Rahab, o anjo do mar, e ordenou que ele recobrasse o livro do mar e o devolvesse a Adão, e assim ele fez.
Com a morte de Adão o livro santo desapareceu, porém mais tarde a caverna na qual fora escondido foi revelada num sonho a Enoque. Foi desse livro que Enoque extraiu seu conhecimento da natureza, da terra e dos céus, tornando-se através dele tão sábio que sua sabedoria ultrapassou a de Adão. Depois de ter guardado seu conteúdo na memória, Enoque escondeu o livro novamente.
Ora, quando resolveu trazer o dilúvio sobre a terra, Deus mandou o arcanjo Rafael até Noé, levando a seguinte mensagem:
– Com isto dou a você o livro santo, para que lhe sejam manifestos todos os segredos e mistérios que ele contém, a para que você saiba como cumprir o mandado dele em santidade, pureza, modéstia e humildade. Nele você aprenderá como construir a arca de madeira de gôfer, dentro da qual você, seus filhos e sua esposa encontrarão proteção.
Noé tomou o livro e, quando passou a estudá-lo, o espírito santo veio sobre ele, e passou a conhecer todas as coisas necessárias para a construção da arca e para o arrebanhamento dos animais. O livro, que era feito de safiras, Noé levou consigo para dentro da arca, tendo-o colocado antes num estojo dourado. Durante todo o tempo em que ele esteve na arca o livro serviu-o de relógio, pelo qual ele distinguia a noite do dia.
Antes de morrer Noé confiou o livro a Sem, e este por sua vez a Abraão. De Abraão ele chegou, passando por Jacó, Levi, Moisés e Josué, até Salomão, que extraiu dele toda sua sabedoria, sua habilidade na arte da cura e seu domínio sobre os demônios.
NOÉ: Os ocupantes da arca
A arca foi completada de acordo com as instruções contidas no livro de Raziel. A próxima tarefa de Noé foi reunir os animais.
Ele teria de levar consigo nada menos do que trinta e duas espécies de pássaros e trezentas e sessenta e cinco espécies de répteis. Deus, no entanto, ordenou aos animais que se dirigissem até a arca, e sem que Noé tivesse de mover um dedo todos eles agruparam-se ali.
Na verdade os animais compareceram em número maior do que seria necessário, pelo que Deus instruiu Noé a sentar-se junto à porta da arca e prestar atenção em quais animais deitavam e quais ficavam em pé assim que chegavam à entrada. Os primeiros pertenceriam à arca, porém não esses últimos.
Assumindo seu posto como lhe havia sido ordenado, Noé ficou observando uma leoa acompanhada de seus dois filhotes. Os três animais estavam deitados, mas os dois filhotes começaram a brigar com a mãe, que logo levantou-se e ficou em pé ao lado deles – e Noé levou os filhotes para dentro da arca.
Os animais selvagens, os animais domésticos e os pássaros que não foram aceitos ficaram em pé ao redor da arca por um total de sete dias, porque o ajuntamento dos animais ocorreu uma semana antes que o dilúvio descesse. No dia em que eles chegaram à arca o sol escureceu, as fundações da terra tremeram, luziram relâmpagos e soaram trovões como nunca havia acontecido antes, porém ainda assim os pecadores não se arrependeram: nada mudaram na sua conduta perversa durante aqueles sete últimos dias.
Quando o dilúvio finalmente desabou, setecentos mil dos filhos dos homens reuniram-se ao redor da arca e imploraram pela proteção de Noé.
Em voz muito alta ele respondeu:
– Não eram vocês que viviam em rebelião contra Deus, dizendo “Deus não existe”? Ele então trouxe ruína sobre vocês, a fim de aniquilá-los e destruí-los da face da terra. Não tenho estado profetizando essas coisas entre vocês ao longo destes cento e vinte anos, sem que vocês desses ouvidos à voz de Deus? E agora vocês querem ficar vivos!
– Que seja! – gritaram os pecadores. – Estamos dispostos a voltarmos para Deus, desde que você abra a porta da sua arca e nos receba, de modo a que vivamos ao invés de morrer.
Noé respondeu:
– Isso vocês fazem agora, quando é tão urgente a sua necessidade. Porque não voltaram para Deus nos duzentos e vinte anos do período de graça em que Deus colocou-me entre vocês? Agora vocês vêm e falam assim, mas é porque suas vidas correm perigo. Deus portanto não ouvirá nem lhes dará ouvidos; vocês nada conseguirão.
A multidão de pecadores tentou então entrar na arca à força, mas os animais selvagens que vigiavam ao redor da arca lançaram-se sobre eles. Muitos foram mortos mas alguns escaparam, apenas para encontrarem a morte nas águas do dilúvio.
A água sozinha não foi capaz de ocasionar-lhes a morte, pois eram gigantes em força e estatura. Quando Noé os ameaçava com o castigo divino eles costumavam responder:
– Se as águas do dilúvio vierem de cima, nunca nos chegarão à altura do pescoço; se vierem de baixo, as solas dos nossos pés são grandes o bastante para tampar as nascentes.
Porém Deus fez com que cada gota passasse pelo Geena antes de cair na terra, de modo que o calor da chuva queimava a pele dos pecadores – punição apropriada para os seus crimes. Da mesma forma que foram aquecidos por seus desejos sensuais, que os inflamavam a excessos de imoralidade, foram castigados com água aquecida. Nem mesmo na hora da morte os pecadores conseguiram suprimir seus instintos perversos. Quando a água começou a jorrar das nascentes eles começaram a atirar seus filhinhos dentro delas, na tentativa de estancar o dilúvio.
Foi pela graça de Deus, e não por seus próprios méritos, que Noé encontrou na arca refúgio para a força devastadora das águas. Embora tenha se mostrado mais íntegro do que seus contemporâneos, não era ainda sim digno das maravilhas realizadas em seu favor. Noé tinha fé tão pequena que não entrou na arca até que a água lhe chegava na altura dos joelhos. Escaparam o perigo com ele sua piedosa esposa Naamá, filha de Enos, seus três filhos e suas respectivas esposas.
Noé não casou até completar quatrocentos e noventa e oito anos de idade; o Senhor então disse a ele que tomasse uma esposa para si. Sua intenção tinha sido não colocar filhos no mundo, sabendo que morreriam todos no dilúvio, pelo que teve apenas três filhos, nascidos não muito antes que o dilúvio viesse.
Deus lhe deu um número pequeno de filhos, a fim de poupá-lo da necessidade de construir uma arca grande demais caso eles se mostrasse piedosos. E poupá-lo também, caso se mostrassem depravados como os demais da sua geração, da tristeza de testemunhar a sua destruição.
Da mesma forma que Noé e sua família foram os únicos a não compartilharem do caráter corrompido da sua época, os animais acolhidos na arca haviam também vivido uma vida natural. Pois naquela época os animais eram tão imorais quanto os homens: o cão unia-se ao lobo, o galo ao pavão, e muitos outros viviam sem qualquer pureza sexual. Os que se salvaram foram os que se mantiveram imaculados.
Antes do dilúvio os animais impuros era mais numerosos do que os animais puros. Depois do dilúvio a proporção foi invertida, porque sete pares de animais puros foram preservados na arca para cada dois pares de animais impuros.
Um animal, o reem, Noé não pode receber na arca, por causa do seu enorme tamanho. Em vista disso Noé amarrou-o à arca, e o reem acompanhou-os correndo atrás. Noé também não conseguiu espaço para o gigante Ogue, rei de Basã, que escapou do dilúvio amarrado no topo da arca, sobre a qual veio sentado. Noé alimentou-o diariamente através de um buraco, pois Ogue havia prometido que ele e seus descendentes seriam seus escravos perpetuamente.
Duas criaturas muito peculiares também encontraram refúgio na arca. Dentre os seres que vieram até Noé pedindo abrigo, estava a Falsidade. Foi-lhe negada a entrada porque não tinha um companheiro, e Noé estava apenas admitindo animais em pares. Falsidade saiu então em busca de um parceiro, e encontrou o Infortúnio, que juntou-se à Falsidade com a condição de poder apropriar-se de tudo que a Falsidade obtivesse para si. O par foi dessa forma admitido à arca. Quando saíram, Falsidade percebeu que tudo que juntava desaparecia de imediato, e foi procurar seu companheiro para uma explicação.
– Não concordamos – disse o Infortúnio à Falsidade – que eu poderia ficar com tudo que você conseguisse?
Assim a Falsidade teve de partir de mãos vazias.
NOÉ: O dilúvio
Recolher os animais para dentro da arca foi a parte mais fácil da tarefa imposta sobre Noé. Seu maior desafio foi prover-lhes acomodações e comida para um ano.
Muitos anos mais tarde Sem, filho de Noé, relatou a Eliezer, servo de Abraão, a história das suas experiências com os animais dentro da arca. Eis o que ele disse:
– Tivemos enormes dificuldades na arca. Os animais diurnos tinham de ser alimentados de dia, e os animais noturnos de noite. Meu pai não sabia que comida dar à pequena zikta. Um dia ele cortou uma romã ao meio e da fruta caiu um verme, que foi imediatamente devorado pela zikta. Dali em diante meu pai moía farelo e deixava até que criasse vermes, que ele usava para alimentar o animal. O leão teve febre o tempo todo, e dessa forma não incomodou os ouros, porque não gostava de comida seca. O animal urshana meu pai encontrou dormindo num canto da embarcação, e perguntou se ele precisava de alguma coisa para comer. Sua resposta foi: “Vi que o senhor estava muito ocupado e não quis incomodar”. Ao que meu pai disse: “Seja da vontade do Senhor abençoá-lo com a vida eterna”, e sua benção se tornou realidade.
As dificuldades aumentaram quando o dilúvio começou a jogar a arca de um lado para o outro. Todos dentro dela eram sacudidos como lentilhas numa panela. Os leões começaram a urrar, os bois mugiam, os lobos uivavam, e todos os animais deram vazâo à sua agonia, cada um com o som que era capaz de produzir.
Também Noé e seus filhos, achando que a morte estava próxima, romperam em lágrimas. Noé orou a Deus:
– Ó, Senhor, ajude-nos, pois não podemos suportar o mal que nos assedia. As ondas erguem-se ao nosso redor, as torrentes da destruição nos aterrorizam e morte olha-nos de frente. Ah, ouça a nossa oração, liberte-nos; incline-se na nossa direção e seja compassivo para conosco. Resgate-nos e salve-nos!
O dilúvio foi produzido pela união das águas masculinas, que estão acima do firmamento, e das águas femininas, que brotam da terra. As águas superiores precipitaram-se no espaço quando Deus removeu duas estrelas da constelação das Plêiades. Depois disso, a fim de parar o dilúvio, Deus teve de transferir duas estrelas da constelação da Ursa para a constelação das Plêiades. É por isso que a Ursa corre atrás das Plêiades; ela quer seus filhos de volta, mas eles lhe serão restaurados apenas no mundo futuro. Durante o ano do dilúvio houve mudanças nas esferas celestiais. Enquanto o dilúvio durou o sol e a lua não produziram luz, razão pela qual Noé recebeu seu nome, “O do descanso”, pois em seu período de vida o sol e a lua descansaram. A arca era iluminada por uma pedra preciosa, cuja luz era mais intensa durante a noite do que durante o dia, possibilitando assim que Noé distinguisse o dia da noite.
O dilúvio durou um ano inteiro. Começou no décimo-sétimo dia de Chesvan, e a chuva estendeu-se por quarenta dias, até o vigésimo-sétimo dia de Kislev. Essa punição correspondeu ao crime daquela geração pecaminosa. Eles levavam vidas imorais e geraram filhos bastardos, cujo estágio embrionário dura quarenta dias. Do dia 27 de Kislev até o primeiro de Sivan, um período de cento e cinqüenta dias, a água permaneceu com a mesma profundidade, quinze varas acima do solo. Durante esse período todos os perversos foram destruídos, cada homem recebendo a punição que merecia. Caim estava entre os que pereceram, e assim a morte de Abel foi vingada. Tão poderosa foram as águas em sua destruição que o corpo do próprio Adão não foi poupado em seu túmulo. Em primeiro de Sivan as águas começaram a declinar, um quarto de vara por dia, e ao fim de sessenta dias, no dia dez de Av, o topo das montanhas ficou visível. Muitos dias antes, no dia dez de Tamuz, Noé havia soltado um corvo, e uma semana depois uma pomba, na primeira de suas três saídas, que foram repetidas em intervalos de uma semana. Demorou do primeiro dia de Av até o primeiro dia de Tishrei para que a água desaparecesse por completo da face da terra. Porém o solo permaneceu tão lamacento que os ocupantes da arca tiveram de permanecer dentro dela até o dia vinte e sete de Chesvan, completando assim um ano solar, que consiste de doze luas e onze dias. Noé havia experimentado todo tipo de dificuldade para determinar o estado da água. Quando decidiu enviar um corvo, este disse a ele:
– O Senhor, seu mestre, me odeia, e você também me odeia. Seu mestre me odeia porque, embora tenha mandado que entrassem na arca sete pares de animais puros, mandou que entrassem apenas dois pares de animais impuros, grupo ao qual pertenço. Você me odeia, porque não escolheu como mensageiro um dos pássaros dos quais há sete pares na arca, mas escolheu a mim, e da minha espécie só há um par. Ora, suponha que eu morra de calor ou de frio: o mundo não ficaria privado de uma espécie inteira de animais? Ou não será o caso que você tenha lançado um olhar lascivo sobre minha companheira, e quer agora livrar-se de mim?
Diante do que Noé respondeu:
– Infeliz! Sou obrigado a viver separado da minha própria esposa na arca. Quanto menos me ocorreria o tipo de pensamento dos quais você me acusa!
A saída do corvo não teve sucesso, porque assim que viu o cadáver de um homem ele passou a devorá-lo, e não obedeceu às ordens dadas a ele por Noé. Por essa razão foi enviada uma pomba.
Perto do entardecer a pomba voltou com uma folha de oliveira no bico, tirada do monte das Oliveiras em Jerusalém, pois a Terra Santa não havia sido devastada pelo dilúvio. Ao colhê-la, a pomba disse a Deus:
– Ah, Senhor do Mundo, prefiro que meu sustento se mostre amargo como a oliveira, desde que me seja dado pela sua mão, do que, sendo doce, eu seja entregue nas mãos dos homens
NOÉ: Noé sai da arca
Embora a terra tenha assumido sua antiga condição ao fim do ano de punição, Noé não saiu da arca até receber de Deus ordem para fazê-lo. Ele disse a si mesmo: “Ao comando de Deus entrei na arca; a seu comando sairei dela”.
Porém quando Deus lhe disse que saísse da arca Noé se recusou, pois temia que depois de viver sob terra seca por algum tempo e gerar filhos, Deus traria outro dilúvio. Ele não saiu da arca até Deus jurar que jamais voltaria a visitar a terra com um dilúvio.
“ISSO EU LHE DISSE PARA QUE VOCÊ PUDESSE IMPLORAR MISERICÓRDIA PARA A TERRA”.
Quando saiu da arca e pisou em céu aberto, Noé chorou amargamente diante da devastação causada pelo dilúvio, e disse a Deus:
– Senhor do mundo! O senhor, que é chamado de misericordioso, deveria ter tido misericórdia das suas criaturas!
– Ah, pastor tolo, agora você me diz isso – Deus respondeu. – Mas não foi o que fez quando me dirigi a você com palavras generosas, e disse: “Vi em você um homem perfeito e justo em sua geração, e trarei um dilúvio sobre a terra para desturir toda a carne. Faça para você uma arca de madeira de gôfer”. Isso eu disse a você, deixando claras todas essas circunstâncias, para que você pudesse implorar misericórdia para a terra. Mas assim que ouviu que seria resgatado na arca você deixou de se preocupar com a ruína que recairia sobre a terra. Você nada fez além de construir uma arca para si mesmo, na qual foi salvo; mas agora que a terra está devastada, abre a boca para interceder e orar.
Noé percebeu que era culpado de insensatez. A fim de reconhecer seu pecado e buscar a reconciliação com Deus, ele trouxe um sacrifício. Deus aceitou com seu favor a oferta, pelo que Noé recebeu esse nome.
O sacrifício não foi oferecido por Noé com suas próprias mãos. Os serviços sacerdotais associados a ele foram executados por seu filho Sem, e houve uma razão para isso. Um dia na arca Noé esquecera de dar a ração ao leão, e o animal faminto desferira-lhe tamanho golpe com sua pata que Noé ficou aleijado para sempre depois disso. E, como portador de um defeito físico, ficou impedido de executar as funções de sacerdote.
Os sacrifícios consistiram num boi, uma ovelha, um bode, duas pombas e duas rolinhas. Noé escolheu essas espécies porque supôs que fossem apropriadas para sacrifícios, visto que Deus ordenara que levasse na arca sete pares de cada um. O altar foi erguido no mesmo lugar em que Adão, Caim e Abel apresentaram seus sacrifícios, e onde mais tarde se ergueria o altar do santuário em Jerusalém.
Completado o sacrifício, Deus abençoou Noé e seus filhos. Fez deles governantes do mundo como Adão havia sido, e deu-lhes a ordem “Sejam férteis e multipliquem-se!” – pois durante sua estadia na arca ambos os sexos, tanto de homens quanto de animais, haviam vivido separados um do outro, porque enquanto abate-se uma calamidade pública a continência é indicada mesmo para os que são deixados ilesos. Essa norma de conduta foi violada na arca apenas por Cão, filho de Noé, pelo cachorro e pelo corvo, e por isso cada um recebeu uma punição; a punição de Cão foi que todos os seus descendentes teriam pele escura.
Como garantia de que não voltaria a destruir a terra, Deus pendurou o seu arco [de flecheiro] sobre a nuvem. Mesmo se os homens voltassem a rebaixar-se novamente ao pecado, o arco declararia que seus pecados não voltariam a causar dano ao mundo. No curso das eras houve ocasiões em que os homens foram piedosos o bastante para não terem de viver com medo da punição, e durante esses períodos o arco não era visível.
Deus liberou a Noé e seus descendentes o consumo da carne de animais como alimento, que era proibido desde a época de Adão. Eles porém deveriam abster-se de consumir sangue.
Assim ele outorgou as sete leis de Noé, cuja observância é obrigação de todos os homens, não apenas de Israel. Deus prescreveu em particular a ordem contra o derramamento de sangue humano. Quem derramasse sangue humano deveria ter o seu sangue derramado. Mesmo se os juízes humanos deixassem o culpado em liberdade o seu castigo acabaria por encontrá-lo: ele morreria de morte não-natural, semelhante à que havia infligido sobre seu proximo. De fato, mesmo se fossem animais a matarem pessoas, a vida que haviam subtraído seria requerida deles.
NOÉ: A maldição da embriaguez
Noé perdeu a alcunha de “piedoso” quando começou a ocupar-se da sua vinha. Ele tornou-se um “homem da terra”, e essa primeira tentativa de produzir vinho gerou, ao mesmo tempo, o primeiro a beber em excesso, o primeiro a amaldiçoar seus familiares e o primeiro a instituir a escravidão.
Aconteceu assim: Noé encontrou a vinha que Adão trouxera consigo do Paraíso, por ocasião da sua expulsão. Noé experimentou as uvas, achou-as saborosas e resolveu plantar a vinha e cuidar dela.
No mesmo dia em que ele plantou a vinha ela deu fruto, e no mesmo dia ele colocou-a na prensa de lagar, extraiu o suco, bebeu, ficou bêbado e foi desonrado. Seu assistente no cultivo da vinha foi Satanás, que acontecia de estar passando por ali no exato momento em que ele plantava a muda que havia encontrado. Satanás lhe perguntou:
– O que você está plantando aqui?
– Um vinhedo.
– E quais são as qualidades do fruto que ele produz?
– Seu fruto é doce, quer no seco ou no úmido. Produz vinho, que alegra o coração do homem.
– Que me diz de sermos parceiros nessa empreitada de cultivar um vinhedo?
– Fechado!
Satanás então matou um cordeiro e em seguida, sucessivamente, um leão, um porco e um macaco. O sangue de cada um que ia sendo morto ele fez fluir sob a vinha. Dessa forma ele transmitiu a Noé as qualidades do vinho: antes de bebê-lo o homem é inocente como um cordeiro; se bebe moderadamente, sente-se forte como um leão; se bebe mais do que pode aguentar, fica parecendo um porco; e se bebe ao ponto da intoxicação, passa a comportar-se como um macaco, dançando, cantando e dizendo obscenidades, sem saber o que está fazendo.
Isso não deteve Noé, mas também não o deteve o exemplo de Adão, cuja queda foi ocasionada também devido ao vinho: o fruto proibido tinha sido a uva, com a qual ele se embebedara.
Em sua embriaquez Noé dirigiu-se para a tenda da sua esposa. Seu filho Cão viu-o ali, contou aos irmãos o que havia encontrado e disse:
– O primeiro homem teve apenas dois filhos, e um matou o outro; esse Noé tem três filhos, e deseja além desses gerar um quarto.
Não satisfeito com essas palavras desrespeitosas dirigidas contra o pai, a esse pecado de irreverência Cão acrescentou o ultraje ainda maior de tentar executar no pai uma operação cujo fim era impedir a procriação.
Quando despertou do seu vinho e ficou sóbrio, Noé proferiu uma maldição contra Cão na pessoa de seu filho mais novo, Canaã. O próprio Cão ele não tinha como prejudicar, visto que Deus conferira uma benção sobre Noé e seus três filhos quando haviam saído da arca. Por essa razão ele colocou a maldição sobre o último filho de seu filho, de modo a impedi-lo a gerar um filho mais novo do que os três que já tinha.
Os descendentes de Canaã têm olhos vermelhos, porque Cão viu a nudez de seu pai; têm lábios mal-formados, porque Cão usou os lábios para contar aos irmãos sobre a condição imprópria do pai; tem cabelo enrolado, porque Cão torceu o pescoço a fim de ver a nudez do pai; e andam nus, porque Cão não cobriu a nudez do pai. Dessa forma Noé foi vingado, pois é do caráter de Deus distribuir justiça medida por medida.
“AMEM UM AOS OUTROS”
Canaã teve de sofrer vicariamente pelo pecado do pai. Porém uma parte da punição lhe foi infligida por sua própria culpa, porque foi Canaã que chamou a atenção de Cão para a condição revoltante de Noé. Cão era, ao que parece, apenas o pai honesto desse filho terrível. No testamento com as últimas vontades de Canaã para seus filhos estava escrito: “Não digam a verdade; não fiquem longe do roubo; vivam dissolutamente; odeiem seu mestre com ódio mortal; amem uns aos outros”.
Da mesma forma que Cão teve de enfrentar punição pela sua irreverência, Sem e Jafé foram recompensados pelo modo filial e respeitoso com o qual tomaram um manto, colocaram-no sobre os ombros e, andando de costas e com os rostos virados para o outro lado, cobriram a nudez do pai. Nus foram os descendentes de Cão, egípcios e etíopes, levados em cativeiro e ao exílio pelo rei da Assíria, enquanto os assírios, descendentes de Sem, não tiveram sua nudez exposta nem mesmo quando o anjo do Senhor queimou-os em seu acampamento: suas roupas permaneceram intocadas sobre seus cadáveres. E, num tempo que ainda virá, quando Gogue sofrer sua derrota, Deus proverá vestes funerárias e local de sepultamento para ele e sua multidão de descendentes, posteridade de Jafé.
Embora tanto Sem quanto Jafé tenham se mostrado pestrativos e respeitosos, foi Sem a merecer a maior recompensa de louvor. Foi ele o primeiro a dispor-se a cobrir o pai; Jafé uniu-se a ele quando a boa ação já havia sido iniciada. Por essa razão os descendentes de Sem receberam, como recompensa especial, o talit, peça de roupa usada por eles, enquanto os descendentes de Jafé têm apenas a toga. Uma distinção adicional concedida a Sem foi a menção de seu nome em conexão com a benção de Noé. “Bendito seja o Senhor, Deus de Sem”, ele disse, embora como regra geral o nome de Deus não fosse associado ao nome de uma pessoa viva, mas apenas ao de alguém que já houvesse partido desta vida. A relação entre Sem e Jafé foi expressa na oração que seu pai proferiu sobre eles: Deus concederia uma terra de belezas a Jafé, e seus filhos seriam convertidos que residiriam nas academias de Sem. Ao mesmo tempo Noé deixou claro por suas palavras que a Shekiná habitaria apenas o primeiro templo, erigido por Salomão, descendente de Sem, e não no segundo templo, cujo construtor seria Ciro, descendente de Jafé. NOÉ: Os descendentes de Noé espalham-se pelo mundo
Quando ficou sabendo que seu pai o havia amaldiçoado, Cão fugiu envergonhado, e fixou-se com sua família numa cidade construída por ele, à qual deu o nome de sua esposa, Neelatamauque. Com inveja de seu irmão, Jafé seguiu seu exemplo: construiu uma cidade e deu a ela o nome de sua esposa, Adataneses. Sem foi o único filho de Noé que não o abandonou. Nas redondezas da casa do pai, junto à montanha, Sem construiu sua cidade, à qual deu também o nome de sua esposa, Zedequetelbabe. Essas três cidades ficam próximas ao monte Lubar, a elevação sobre a qual repousou a arca. A primeira encontra-se ao sul, a segunda a oeste, a terceira a leste.
Noé conseguiu inculcar em seus filhos e nos filhos de seus filhos as ordenanças e mandamentos que conhecia. Ele em particular advertiu-os contra a libertinagem, contra a impureza e contra toda sorte de perversidade que havia provocado o dilúvio sobre a terra. Ele os repreendeu por viverem longe uns dos outros e pela inveja que nutriam, pois temia que depois de sua morte eles chegariam a derramar sangue humano. Contra isso ele advertiu-os severamente, para que não fossem aniquilados da terra como os que os haviam precedido.
Outra lei que Noé transmitiu-lhes para que observassem foi que a fruta de uma árvore não deveria ser usada nos três primeiros anos em que a árvore frutificar. Mesmo no quarto ano, as frutas deveriam ser consumidas apenas pelos sacerdores, depois que uma parte delas fosse oferecida no altar de Deus.
Ao terminar de fornecer esses ensinos e prescrições, Noé disse:
– Pois da mesma forma Enoque, nosso ancestral, exortou seu filho Matusalém, e Matusalém seu filho Lameque, e Lameque transmitiu-me tudo que seu pai lhe havia dito que fizesse; agora eu os exorto, meus filhos, como Enoque exortou seu filho. Quando ele era vivo em sua geração, que foi a sétima geração do homem, ele ordenou e testificou essas coisas a seus filhos e aos filhos de seu filho, até o dia de sua morte.
No ano 1569 depois da criação do mundo Noé dividiu a terra entre seus filhos, na presença de um anjo. Cada um deles estendeu a mão e tirou um pedaço de papel do peito de Noé. No papel de Sem estava escrito “o meio da terra”, e essa porção tornou-se herança para seus descendentes por toda a eternidade. Noé exultou que aquela porção tivesse sido designada a Sem. Dessa forma se cumpria a benção que proferira sobre ele, “Deus… nas tendas de Sem”, pois três lugares santos situavam-se dentro dessa área: o santo dos santos no Templo, o Monte Sinai, ponto central do deserto, e o Monte Sião, o ponto central do umbigo da terra.
O sul coube a Cão, e o norte tornou-se herança de Jafé. A terra de Cão é quente, a terra de Jafé é fria, mas a de Sem não é fria nem quente: tem clima temperado.
A divisão da terra ocorreu perto do fim da vida de Pelegue/Divisão, nome dado por seu pai Éber, o qual, sendo profeta, sabia que a divisão da terra ocorreria perto da hora final de seu filho. O irmão de Pelegue recebeu o nome de Joctã/Pequeno, porque em sua época a duração da vida humana foi abreviada.
Os três filhos de Noé, ainda em pé na presença dele, dividiram por sua vez a sua porção entre os seus filhos, enquanto Noé ameaçava com sua maldição qualquer um que tentasse se apropriar de uma área que não lhe tivesse sido designada. E todos exclamavam:
– Assim seja! Assim seja!
Dessa forma foram dividas cento e quatro terras e noventa e nove ilhas entre setenta e duas nações, cada uma com uma língua própria, e usando dezesseis alfabetos diferentes. A Jafé foram destinadas quarenta e quatro terras, trinta e três ilhas, vinte e duas línguas e cinco alfabetos; Cão recebeu trinta e quatro terras, trinta e três ilhas, vinte e quatro línguas e cinco alfabetos; Sem recebeu vinte e seis terras, trinta e três ilhas, vinte e seis línguas e seis alfabetos – um alfabeto a mais do que receberam seus irmãos; este alfabeto extra é o hebraico.
A terra designada como herança dos doze filhos de Jacó foi temporariamente concedida a Canaã, Sidom, Hete, os jebuseus, os amorreus, os girgaseus, os heveus, os arqueus, os sineus, os arvadeus, os zemareus e os hamateus. Era dever dessas nações cuidar da terra até que seus verdadeiros possuidores chegassem.
Mal haviam os filhos de Noé e os filhos de seus filhos tomado posse das áreas designadas a eles, os espíritos imundos começaram a seduzir os homens e atormentá-los com dor e toda sorte de sofrimento, de modo a levá-los à morte física e espiritual.
Diante das súplicas de Noé, Deus mandou o anjo Rafael, que expulsou noventa por cento dos espíritos imundos da terra, deixando apenas dez por cento para Mastema/hostilidade, a fim de punir os pecadores através deles.
Rafael, assistido pelo chefe dos espíritos imundos, revelou naquela ocasião a Noé todos os remédios que residem nas plantas, para que ele recorresse a eles quando necessário. Noé registrou-os num livro, que transmitiu a seu filho Sem. A esta fonte reportam todos os livros médicos dos quais os sábios da Índia, de Arã, da Macedônia e Egito extraem seu conhecimento. Os curandeiros da Índia devotaram-se especialmente ao estudo das especiarias e árvores curativas; os arameus eram bem versados no conhecimento das propriedades de grãos e sementes, e traduziram para sua própria língua os antigos livros médicos. Os sábios da Macedônia foram os primeiros a aplicar o conhecimento médico de forma prática, enquanto os egípcios procuravam efetuar curas através de astrologia e de artes mágicas; foram eles a ensinar o Midrash dos caldeus, composto por Kangar, filho de Ur, filho de Quesede.
Os conhecimentos médicos foram se espalhando cada vez mais até a época de Esculápio. Esse sábio macedônio, acompanhado por quarenta magos doutos, viajaram país por país até chegarem à terra além da Índia, na direção do Paraíso. Eles esperavam encontrar alguma madeira da árvore da vida, e dessa forma divulgar sua própria fama ao redor do mundo. Suas esperanças foram frustadas. Quando chegaram ao local, encontraram árvores curativas e madeira da árvore da vida mas quando estendiam suas mãos para pegar o que desejavam um relâmpago lançou-se da espada que se volvia por todos os lados, derrubou-os ao chão e queimou-os por completo. Com eles desapareceu todo o conhecimento da medicina, e não reviveu até a época do primeiro Artaxerxes, sob a condução do sábio macedônio Hipócrates, Dioscorides de Baala, Galeno de Caftor e o judeu Asafe.