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Meditação no Logos (Verbo) - descubra o poder das palavras sagradas.

Geometria divina - aprenda a usar a energia dos símbolos.

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Desvende os Segredos e os Códigos da Bíblia e de outros textos sagrados.

Aprenda como REALMENTE se COMUNICAR com DEUS, o mundo espiritual e as forças que ali existem.

Descubra e aprenda a USAR suas capacidades ESPIRITUAIS.

MERGULHE NOS MISTÉRIOS DO INFINITO E ABRA SEUS OLHOS PARA A VERDADE!

Shema Shekinah Adonai


“Não há nada escondido que não venha a ser revelado, nem oculto que não venha a se tornar conhecido"

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A Criação do mundo segundo segundo os Hebreus 3

ADÃO: Os anjos e a criação do homem
Deus em sua sabedoria, tendo decidido criar o homem, pediu o conselho de todos a seu redor antes de levar a cabo seu propósito – exemplo para que o homem, não importa quão grande e notável seja, não despreze o conselho dos humildes e fracos. Primeiro Deus chamou o céu e a terra, depois todas as coisas criadas, e por último os anjos.
Os anjos não estavam todos de acordo. O anjo do Amor era a favor da criação do homem, porque ele seria afetuoso e amoroso, mas o anjo da Verdade se opunha, porque ele seria cheio de mentiras. E, embora o anjo da Justiça fosse a favor, porque ele praticaria a justiça, o anjo da Paz se opunha, porque ele seria contencioso.
A fim de invalidar o seu protesto, Deus atirou o anjo da Verdade do céu contra a terra, e quando os outros bradaram em protesto contra tratamento tão injurioso, Deus disse: “A verdade brotará da terra1”.
As objeções dos anjos teriam sido muito mais veementes se eles tivessem conhecido a verdade a respeito do homem. Deus havia lhes contado apenas sobre os piedosos, ocultando deles que haveria no gênero humano gente reprovável. Ainda assim, embora conhecessem apenas metade da verdade, os anjos puseram-se a clamar:
– Que é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o visites2?
Deus respondeu:
– As aves do céu e os peixes do mar, para que foram criados? De que serve uma dispensa cheia de delícias finas, se não há convidado para desfrutar delas?
E os anjos só puderam exclamar:
– Ó Senhor, nosso Senhor, quão admirável é teu nome em toda a terra! Faze como é agradável a teus olhos.
Para um número não insiginificante de anjos sua oposição trouxe conseqüências fatais. Quando Deus convocou o grupo sob a liderança do arcanjo Miguel e perguntou-lhes sua opinião sobre o homem, eles responderam com desdém:
– Que é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o visites?
Deus estendeu imediatamente o seu dedo mínimo, e todos foram consumidos pelo fogo exceto seu líder, Miguel. O mesmo destino sobreveio ao grupo sob a liderança do arcanjo Gabriel; apenas ele foi salvo da destruição.
O terceiro grupo consultado era comandado pelo arcanjo Labiel. Ensinado pela terrível sina de seus predecessores, ele advertiu sua tropa:
– Vocês viram que infortúnio recaiu sobre os anjos que disseram “que é o homem, que dele te lembres?” Cuidemos para não fazermos o mesmo, para que não soframos a mesma dura punição. Pois Deus não deixará de fazer no fim o que planejou. É aconselhável portanto que cedamos a seus desejos.
Assim advertidos, os anjos disseram:
– Senhor do mundo, é bom que pensaste em criar o homem. Cria-o deveras de acordo com a tua vontade. Quanto a nós, seremos assistentes e ministros dele.
Por causa disso Deus mudou o nome de Labiel para Rafael, o Resgatador, porque sua hoste de anjos foi resgatada pelo sábio conselho. Ele foi designado como anjo da Cura, que tem sob seu cuidado todos os remédios celestiais, arquétipos dos remédios utilizados na terra.
ADÃO: A criação de Adão
Quando finalmente o assentimento dos anjos foi dado à criação do homem, Deus disse a Gabriel:
– Vá e me traga poeira dos quatro cantos da terra. Criarei o homem a partir dela.
Gabriel foi cumprir a ordem do Senhor, mas a terra o repeliu, recusando-se a deixar que ele juntasse poeira dela. Gabriel repreendeu:
– Por quê, Terra, você não cede à voz do Senhor, que fundou-a sobre as águas sem recorrer a escoras ou pilares?
A terra respondeu:
– Estou destinada a ser amaldiçoada, e amaldiçoada por causa do homem1. Se o próprio Deus não vier tirar a poeira de mim, não será qualquer outro a fazê-lo.
Quando ouviu isso Deus estendeu sua mão, pegou poeira do chão e criou o primeiro homem a partir dela. Propositalmente esse pó foi tirado dos quatro cantos da terra, para que se um homem do oriente morresse no ocidente, ou um homem do ocidente morresse no oriente, a terra não se recusasse a receber o morto, dizendo para que voltasse ao lugar de onde havia sido tirado. Quando acontece de um homem morrer, e no local em que é enterrado, ali retorna ele à terra da qual foi gerado. A poeira era além disso de várias cores: vermelha, negra, branca e verde – vermelha para o sangue, negra para as entranhas, branca para os ossos e veias e verde para a pele pálida.
Neste momento a Torá interferiu, dirigindo-se a Deus:
– Ó, Senhor do mundo! O mundo é teu, e podes fazer dele o que parecer bom a teus olhos. Porém o homem que estás agora criando será parco em dias e pleno de conflito e de pecado. Se não é teu propósito ter longanimidade e paciência para com ele, melhor seria não chamá-lo á existência.
Deus respondeu:
– É por acaso que sou chamado de longânimo e misericordioso2?
A graça e a ternura de Deus revelaram-se de forma particular no fato dele ter retirado um punhado de poeira do lugar onde mais tarde se ergueria um altar, dizendo:
– Farei o homem a partir deste lugar de reconciliação, para que ele possa perdurar.
1 Gênesis 3:17
2 Êxodo 34:5,6
ADÃO: A alma do homem
O cuidado com que Deus moldou cada detalhe do corpo do homem nada é em comparação com sua solicitude na criação da alma humana. A alma do homem foi criada no primeiro dia, pois é o espírito de Deus movendo-se sobre a face das águas. Assim, ao invés de ser o último, o homem é na verdade a primeira obra da criação.
O espírito, ou, para chamá-lo pelo seu nome usual, a alma do homem, possui cinco poderes diferentes. Através de um deles ela escapa do corpo todas as noites, sobe até o céu e ali busca nova vida para o homem.
A ALMA DO HOMEM FOI CRIADA NO PRIMEIRO DIA, POIS É O ESPÍRITO DE DEUS MOVENDO-SE SOBRE A FACE DAS ÁGUAS.
Com a alma de Adão foram criadas as almas de todas gerações de homens. Estão elas armazenadas num prontuário no sétimo dos céus, de onde são retiradas à medida em que são necessárias para cada corpo humano.
A alma e o corpo do homem são unidas da seguinte forma: quando uma mulher concebe, o Anjo da Noite, Lailah, carrega o esperma até a presença de Deus, e Deus decreta que sorte de ser humano sairá dali – se será homem ou mulher, forte ou fraco, rico ou pobre, bonito ou feio, alto ou baixo, magro ou gordo, e quais serão todas as suas outras qualidades. Apenas a piedade e a impiedade são deixadas sob a determinação do próprio homem. Deus estão faz um sinal para o anjo responsável pelas almas e diz:
– Traga-me aquela alma assim-e-assim, que está escondida no Paraíso, cujo nome é assim-e-assim, e cuja forma é assim-e-assim.
O anjo traz a alma designada, que faz uma reverência quando entra na presença de Deus, e prostra-se diante dele. Naquele momento Deus dá a ordem:
– Entre nesse esperma.
A alma abre sua boca e implora:
– Ah, Senhor do mundo, estou muito satisfeita com o mundo em que tenho vivido desde o dia em que me chamaste à existência. Por que desejas agora que eu entre nesse esperma impuro, eu que sou santa e pura, e parte da tua glória?
Deus a consola:
– O mundo em que farei você entrar é melhor do que o mundo em que você tem vivido; quando criei você, foi apenas com esse propósito.
A alma é então forçada a entrar contra à vontade no esperma, e o anjo carrega-a de volta para o útero da mãe. Dois anjos são especificados para cuidarem que a alma não saia dele, nem caia fora dele, e uma luz é colocada acima dela, através da qual a alma pode ver de uma extremidade à outra do mundo.
De manhã um anjo a carrega ao Paraíso e mostra a ela os justos, ali assentados em sua glória, com coroas sobre suas cabeças. O anjo então diz à alma:
– Sabe quem são esses?
Ela responde que não, e o anjo prossegue:
– Esses que você contempla foram formados, como você, no útero da mãe deles. Quando entraram no mundo esses guardaram a Torá de Deus e seus mandamentos, e foram por isso tornados participantes da bem-aventurança de que você os vê agora desfrutar. Saiba que você irá também um dia deixar o mundo lá embaixo, e que se guardar a Torá de Deus será achada digna de sentar-se com esses piedosos. Se não, estará condenada ao outro lugar.
De noite o anjo leva a alma ao inferno, e mostra os pecadores a quem os Anjos da Destruição estão castigando com açoites de fogo. Os pecadores estão todos bradando: “Ai de nós! Ai de nós!”, mas nenhuma misericórdia é concedida a eles. O anjo pergunta como antes:
– Sabe quem são esses?
Como antes a resposta é negativa, e o anjo continua:
– Esses que são consumidos pelo fogo foram criados como você. Quando colocados no mundo eles não guardaram a Torá de Deus e seus mandamentos, e vieram por isso para esta desgraça que você os vê sofrer. Saiba que seu destino também é deixar o mundo. Seja justa, portanto, e não perversa, para que possa ganhar o mundo futuro.
DO MESMO MODO QUE FOI FORMADA CONTRA A VONTADE, VOCÊ AGORA NASCERÁ CONTRA A VONTADE.
Entre a manhã e a noite o anjo carrega a alma de um lugar a outro, mostrando onde ela vai viver e onde vai morrer, o lugar em que será enterrada, e leva-a pelo mundo todo, apontando os justos e os pecadores e todas as coisas. De noite ele a recoloca no útero da mãe, onde ela permanece por nove meses.
Quando chega a hora de emergir do útero para o mundo, o mesmo anjo dirige-se à alma:
– Chegou a hora de você sair para o mundo.
A alma objeta:
– Por que você me quer fazer sair para o mundo?
O anjo responde:
– Saiba que, do mesmo modo que foi formada contra a vontade, você agora nascerá contra a vontade, e contra a vontade morrerá, e contra a vontade prestará contas diante do Rei dos reis, o Santo, bendito seja ele.
A alma está ainda relutante em deixar o seu lugar. O anjo faz um carinho com os dedos nos lábios do nenê, apaga a luz à sua cabeça e a traz para o mundo contra a vontade. Imediatamente a criança esquece tudo que sua alma viu e aprendeu, e vem ao mundo chorando, por ter perdido um lugar de refúgio e segurança e descanso.
Quando chega a hora do homem deixar este mundo o mesmo anjo aparece e pergunta:
– Você me reconhece?
O homem responde:
– Sim, mas por que você veio até mim hoje, e não outro dia?
O anjo diz:
– Para tirá-lo deste mundo, pois a hora da partida chegou.
O homem cai no choro, e sua voz alcança as extremidades do mundo, porém nenhuma criatura ouve a sua voz, com exceção do galo. O homem protesta:
– De dois mundos você me tirou, e para este mundo você me trouxe.
Mas o anjo lembra:
– Eu não lhe disse que você foi formado contra a vontade, nasceu contra a vontade e contra a vontade morreria? Agora, contra a vontade, você terá de prestar contas de si mesmo diante do Santo, bendito seja ele.
ADÃO: O homem ideal
Como todas as criaturas formadas nos seis dias da criação, Adão saiu das mãos de Deus plenamente desenvolvido. Ele não era como uma criança, mas como um homem de vinte anos de idade. As dimensões do seu corpo eram gigantescas, atingindo da terra ao céu ou, o que representa o mesmo, do oriente ao ocidente. Entre as gerações seguintes dos homens, houve poucos cujas medidas compararam-se a Adão em seu tamanho extraordinário e perfeições físicas. Sansão possuía sua força, Saul seu pescoço, Absalão seu cabelo, Asael sua ligeireza de pés, Uzias sua testa, Josias suas narinas, Zedequias seus olhos e Zerubabel sua voz. A história demonstra que essas excelências não representaram bençãos para muitos de seus possuidores; levou à ruína quase todos eles.  A força extraordinária de Sansão ocasionou sua morte; Saul suicidou-se cortando o pescoço com sua própria espada; embora corresse com agilidade, Asael foi atravessado pela espada de Abner; Absalão ficou preso pelo cabelo a um carvalho, e assim suspenso encontrou a morte; Uzias foi acometido de lepra na testa; os dardos que mataram Josias entraram-lhe pelas narias, e os olhos de Zedequias foram cegados.
A maioria dos homens herdou tão pouca da beleza quanto do tamanho portentoso de seu primeiro pai. As mais belas mulheres, comparadas a Sara, são como os grandes macacos comparados a seres humanos. O mesmo acontece na comparação de Sara com Eva, mas Eva era também um mero macaco quando comparada a Adão. A figura dele era tão bela que bastava a sola do seu pé para ofuscar o esplendor do sol.
ADÃO ERA TÃO BONITO QUE BASTAVA A SOLA DO SEU PÉ PARA OFUSCAR O ESPLENDOR DO SOL.
Suas qualidades espirituais andavam em paridade com seu charme pessoal, pois Deus formara sua alma com cuidado especial. A alma do homem era a imagem de Deus, e Deus enche o mundo, de modo que a alma enche o corpo humano; da mesma forma que Deus vê todas as coisas, e não é visto por ninguém, a alma vê, mas não pode ser vista; da mesma forma que Deus guia o mundo, a alma guia o corpo; da mesma forma que Deus em sua santidade é puro, também é pura a alma; como Deus habita em segredo, também a alma.
Quando estava para colocar a alma no corpo argiloso de Adão, Deus disse:
– Por onde soprarei a alma dentro do homem? Pela boca? Não, pois ele irá usá-la para falar mal de seu semelhante. Pelos olhos? Com eles ele piscará libidinosamente. Pelos ouvidos? Esses darão atenção a calúnia e blasfêmia. Soprarei a alma em suas narinas: da mesma forma que elas discernem o que é impuro e rejeitam-no, recebendo de bom grado o que é perfumado, os piedosos esquivar-se-ão do pecado, e apegar-se-ão às palavras
da Torá.
As perfeições da alma de Adão manifestaram-se tão logo ele a recebeu, mesmo antes que ele ganhasse vida. No intervalo de uma hora que separou o soprar da alma no primeiro homem e o momento em que ele ganhou vida, Deus revelou-lhe toda a história da humanidade. Deus mostrou a Adão cada geração e seus líderes; cada geração e seus profetas; cada geração e seus professores; cada geração e seus eruditos; cada geração e seus homens de estado; cada geração e seus juízes; cada geração e seus integrantes piedosos; cada geração e seus integrantes comuns, medianos; cada geração e seus integrantes ímpios. A história de seus anos, o número de seus dias, o cálculo de suas horas e a medida de seus passos foram todos revelados a ele.
NO INTERVALO QUE SEPAROU O SOPRAR DA ALMA NO HOMEM E O MOMENTO EM QUE ELE GANHOU VIDA, DEUS REVELOU-LHE TODA A HISTÓRIA DA HUMANIDADE.
De sua própria vontade Adão abriu mão de setenta anos dos que haviam sido designados a ele. Seu tempo designado de vida era para ser de mil anos, um dos dias do Senhor. Mas Adão viu que um único minuto de vida havia sido alocado para a grande alma de Davi, e presenteou-a com setenta dos seus anos, reduzindo os anos que lhe cabiam de mil para novecentos e trinta.
A sabedoria de Adão mostrou-se extremamente vantajosa quando ele deu nome aos animais. Pareceu então que Deus, ao rebater os argumentos dos anjos que se opunham à criação do homem, havia falado bem quando insistira que o homem deveria possuir mais sabedoria do que os anjos.
Adão tinha menos de uma hora de idade quando Deus reuniu todo o mundo animal diante dele e dos anjos. Esses últimos foram chamados para dar nome às diferentes espécies, mas não se mostraram à altura da tarefa. Adão, no entanto, falou sem hesitação:
– Ó Senhor do mundo! O nome apropriado para este animal é touro, este cavalo, este leão, este camelo.
Ele dessa forma chamou a todos, um de cada vez, pelo seu nome, adequando o nome à peculiaridade de cada animal. Deus então perguntou-lhe como ele deveria se chamar, e ele disse “Adão”, porque havia sido criado de Adamah, o pó da terra. Deus então pediu a ele o seu próprio nome, e Adão disse:
– Adonai, “Senhor”, porque és Senhor de todas as criaturas – sendo que Adonai era o nome que Deus havia dado a si mesmo, o nome pelo qual os anjos o chamam, o nome que permanecerá imutável para sempre.
Porém, não fosse o espírito santo, Adão não teria sido capaz de encontrar nome algum; ele era na verdade profeta, e sua sabedoria era uma qualidade profética.
Os nomes dos animais não foram a única herança deixada por Adão para as gerações que seguiram-se a ele, pois a humanidade deve a ele todos os ofícios, especialmente a arte de escrever, e foi ele o inventor de todos os setenta idiomas. Ainda outra tarefa Adão realizou pelos seus descendentes: Deus mostrou a ele toda a terra, e Adão designou quais lugares seriam mais tarde ocupados pelos homens, bem como os lugares que permaneceriam desabitados.
ADÃO: A queda de Satanás
As extraordinárias qualidades com que Adão foi abençoado, tanto físicas quanto espirituais, suscitaram a inveja dos anjos. Esses tentaram consumi-lo com fogo, e ele teria perecido, não tivesse a mão protetora de Deus se estendido sobre ele, e estabelecido a paz entre ele e os exércitos celestiais.
Satanás, em particular, tinha ciúme do primeiro homem, e seus maus pensamentos levaram por fim à sua queda. Depois de ter dotado Adão de alma, Deus convidara todos os anjos para virem e prestarem-lhe reverência e homenagem. Satanás, o mais insígne anjo do céu, dotado de doze asas ao invés das seis de todos os outros, recusara-se a obedecer à ordem de Deus, dizendo:
– Criaste a nós, os anjos, a partir do esplendor da Shekiná, e agora ordenas que nos prostremos diante da criatura que moldaste do pó da terra!
Deus respondeu:
– Todavia o pó da terra exibe mais sabedoria e entendimento do que você.
Satanás exigiu uma prova de inteligência com Adão, e Deus assentiu, dizendo:
– Criei animais selvagens, pássaros e répteis. Tra-los-ei a todos diante de você e de Adão. Se você for capaz de dar nomes a eles, mandarei que Adão lhe preste homenagem, e você habitará junto à Shekiná da minha glória. Caso contrário, no entanto, se Adão chamá-los pelos nomes que designei a eles, você se sujeitará a Adão, e ele terá um lugar no meu jardim, e o cultivará.
“PRESTE ADORAÇÃO À IMAGEM DE DEUS!”
Assim disse Deus e dirigiu-se ao Paraíso, seguido por Satanás. Quando viu a Deus, Adão disse a sua mulher:
– Venha, adoremos e prostemo-nos; ajoelho-mo-nos diante do Senhor, nosso Criador.
Satanás tentou então atribuir nomes aos animais, tendo fracassado nas duas primeiras tentativas, o touro e a vaca. Deus conduziu dois outros animais até diante dele, o camelo e o jumento, com o mesmo resultado. Deus voltou-se então para Adão, e questionou-lhe a respeito dos nomes dos mesmos animais, construindo suas perguntas de modo a que a primeira letra da primeira palavra fosse a primeira letra do nome do animal posto diante dele. Desta forma Adão foi capaz de adivinhar os nomes corretamente, e Satanás viu-se forçado a reconhecer a superioridade do primeiro homem. Ele porém irrompeu em clamores bárbaros que atingiram o céu, recusando-se a prestar homenagem a Adão como lhe havia sido ordenado.
O exército de anjos comandado por Satanás agiu da mesma forma, a despeito dos protestos de Miguel, que foi o primeiro a prostrar-se diante de Adão a fim de dar exemplo aos outros anjos. Miguel dirigiu-se a Satanás:
– Preste adoração à imagem de Deus! Se você se recusar, o Senhor Deus lançar-se-á em cólera contra você.
Satanás retrucou:
– Se ele se lançar em cólera contra mim, exaltarei meu trono acima das estrelas de Deus, e serei como o Altíssimo!
Imediatamente Deus lançou Satanás e seu exército para fora do céu sobre a terra, e é daquele momento que data a inimizade entre Satanás e o homem.

ADÃO: A mulher
Quando abriu seus olhos pela primeira vez e contemplou o mundo ao seu redor, Adão irrompeu em louvor a Deus:
– Quão grandes são tuas obras, Senhor!
Porém sua admiração pelo mundo ao seu redor não excedeu a admiração que todas as coisas criadas dispensaram a Adão. Elas tomaram-no por seu criador, e vieram prestar-lhe adoração. Ele porém disse:
– Por que vocês vêem adorar a mim? Não, eu e vocês juntos reconheceremos a majestade e o poder daquele que nos criou a todos. “O Senhor reina” – declarou ele, – “e está revestido de majestade!”
Não apenas as criaturas da terra: até mesmo os anjos chegaram a pensar que Adão fosse senhor de todos, e eles estavam prestes a saudá-lo com o “Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos” quando Deus fez com Adão caísse no sono; os anjos souberam então que ele não passava de um ser humano.
O propósito do sono que recaiu sobre Adão era dar a ele uma esposa, para que a raça humana pudesse se desenvolver e todas as criaturas reconhecessem a diferença entre Deus e o homem. Quando ouviu o que Deus estava decidido a fazer, a terra começou a tremer e sacudir.
– Não tenho forças – ela disse – para prover comida para multidão dos descendentes de Adão.
Por essa razão o tempo foi dividido entre Deus e a terra: Deus ficou com a noite, a terra com o dia. O sono reconfortante sustenta e fortalece o homem, proporciona-lhe vida e descanso, enquanto a terra produz fruto com a ajuda de Deus, que a rega. Ainda assim o homem tem de trabalhar a terra a fim de ganhar o seu sustento.
A decisão divina de conceder uma companheira a Adão veio ao encontro dos anseios do homem, que havia sido tomado por uma sensação de isolamento quando os animais vieram até ele em pares para receberem seus nomes.
APESAR DE TODO CUIDADO EMPREGADO, A MULHER APRESENTA TODAS AS FALHAS QUE DEUS PROCUROU EVITAR.
A fim de banir sua solidão, a primeira mulher dada como esposa a Adão foi Lilith. Como ele, Lilith foi criada do pó da terra; ela porém permaneceu com ele por um intervalo muito curto, porque insistia em desfrutar de igualdade completa com seu marido. Ela justificava seus direitos a partir de sua origem comum. Com a ajuda do Nome Inefável, que ela proferiu, Lilith fugiu de Adão e desapareceu em pleno ar. Adão veio reclamar diante de Deus que a mulher que ele lhe havia dado o havia abandonado, e Deus enviou três anjos para capturá-la. Esses foram encontrá-la no Mar Vermelho, e tentaram fazê-la voltar com a ameaça de que caso não fosse ela perderia diariamente cem de seus filhos-demônios.  Lilith, no entanto, preferiu essa punição a viver com Adão. Ela se vinga ferindo crianças-de-colo – os meninos durante sua primeira noite de vida, sendo que as meninas estão expostas a seus desígnios perversos até os vinte anos de idade. O único modo de afastar o mal é colocando nas crianças um amuleto que traz os nomes de seus três anjos captores, pois esse foi o acordo feito entre eles.
A mulher destinada a ser a verdadeira companheira do homem foi tomada do corpo de Adão, pois “apenas quando semelhante é unido a semelhante a união é indissolúvel”. A criação da mulher a partir do homem foi possível porque Adão tinha originalmente duas faces, que foram separadas com o nascimento de Eva.
Quando estava a ponto de criar Eva, Deus disse:
– Não farei a mulher a partir da cabeça do homem, para que ela não ande de cabeça empinada em orgulho e arrogância; não a farei a partir do olho, para que seus olhos não sejam licenciosos; não a partir do ouvido, para que ela não fique ouvindo conversa alheia; não a partir do pescoço, para que ela não seja insolente; não a partir da boca, para que ela não seja tagarela; não a partir do coração, para que ela não seja inclinada à inveja; não a partir da mão, para que ela não seja intrometida; não a partir do pé, para que ela não seja vagabunda. Irei formá-la a partir de uma parte casta do corpo.
A cada membro e orgão que formava, Deus ia dizendo:
– Seja casto! Seja casto!
Entretanto, apesar de todo cuidado empregado, a mulher apresenta todas as falhas que Deus tentou evitar. As filhas de Sião foram arrogantes e andaram com pescoços empinados e olhos licenciosos; Sara ouviu a conversa alheia em sua própria tenda, quando o anjo falava com Abraão; Miriam foi mexeriqueira, acusando Moisés; Raquel teve inveja de sua irmã Léia; Eva colocou suas mãos sobre o fruto proibido, e Diná foi vagabunda.
A constituição física da mulher é muito mais complicada do que a do homem, já que deve servir para a concepção; semelhantemente, a inteligência da mulher amadurece mais cedo do que a inteligência do homem. Muitas das diferenças físicas e psíquicas entre os dois sexos podem ser atribuídas ao fato de que o homem foi formado da terra e a mulher do osso. Mulheres precisam de perfumes, homens não: a poeira do chão permanece inalterada não importa por quanto tempo seja guardada; a carne, no entanto, requer sal para ser mantida em boas condições. A voz da mulher é estridente, a voz do homem não: quando alguma carne macia é cozida, nenhum sol é ouvido, mas basta colocar um osso na panela e ele racha de imediato. O homem é fácil de aplacar, a mulher não: umas poucas gotas d’água bastam para amolecer um torrão de terra, já um osso permanece duro, mesmo que mergulhado em água por dias. O homem deve pedir à mulher para ser sua esposa, e não a mulher o homem para ser seu marido, porque foi o homem que teve de arcar com a perda de sua costela; ele dá a investida no intento de cobrir o seu prejuízo.
As próprias de diferenças de modo de vestir e conduta social tem suas razões na origem do homem e da mulher. A mulher cobre o cabelo em memória do fato de ter sido Eva quem trouxe o pecado ao mundo; ela tenta dessa forma esconder a sua vergonha. Os mandamentos religiosos endereçados apenas às mulheres remetem à história de Eva. Adão era a oferta alçada do mundo, e Eva a maculou; como forma de expiação é ordenado às mulheres que separem uma oferta alçada da massa de farinha. E, por ter sido a mulher quem apagou a luz da alma do homem, a ela é ordenado que acenda a lâmpada do Shabat.
O MUNDO ESTÁ FUNDAMENTADO EM SERVIÇOS DE AMIZADE.
Adão foi levado a cair num sono profundo antes que a costela para Eva fosse retirada do seu lado. Isso porque se ele tivesse observado a sua criação ela não teria despertado amor nele. Até hoje permanece verdade que os homens não são capazes de apreciar os charmes de mulheres que observaram e conheceram desde a infância. De fato, Deus havia criado uma mulher para Adão antes de Eva, mas ele a rejeitou, porque ela havia sido feita na frente dele. Conhecendo todos os detalhes de sua formação ele sentiu repulsa por ela.
Porém quando despertou de seu sono profundo e viu Eva diante dele em toda sua surpreendente beleza e graça, ele exclamou:
– Esta é aquela que levava meu coração a palpitar por inúmeras noites!
Ele porém logo discerniu qual era a verdadeira natureza da mulher. Ela, sabia ele, lograria convencer o homem fosse através de súplicas ou lágrimas, elogios ou carícias. Ele por isso disse:
– Esse é o meu sino que nunca pára de tocar!
O casamento do primeiro casal foi celebrado com pompa jamais repetida no curso de toda história. O próprio Deus, antes de apresentá-la a Adão, vestiu e adornou a Eva como noiva. Sim, ele interpelou os anjos, dizendo:
– Venham, prestemos serviços de amizade por Adão e sua companheira, pois o mundo está fundamentado em serviços de cordialidade, e esses me são mais agradáveis aos olhos do que os sacrifícios que Israel irá oferecer sobre o altar.
Assim sendo, os anjos cercaram o pálio matrimonial e Deus proferiu as bençãos sobre o casal, da mesma forma que o Hazan faz sob o Huppah. Os anjos dançaram e tocaram instrumentos musicais diante de Adão e Eva em suas dez câmaras matrimoniais feitas de ouro, pérolas e pedras preciosas, que Deus havia preparado para eles.
Adão deu a sua mulher o nome de Ishah e passou a chamar a si mesmo de Ish, abandonando o nome Adão, que ele usara antes da criação de Eva. Isso porque Deus acrescentara seu próprio nome Yah aos nomes do homem e da mulher – a letra Yoide a Ish e a letra He a Ishah, – para indicar que enquanto andassem nos caminhos de Deus e observassem os seus mandamentos, seu nome lhes seria um escudo contra todo mal. Porém se se desviassem seu nome seria retirado, e ao invés de Ish restaria Esh, o fogo, um fogo brotando de cada um e consumindo o outro.
ADÃO: Adão e Eva no Paraíso
O Jardim do Éden foi a primeira habitação do primeiro homem e da primeira mulher, e as almas de todos homens passam por ele depois da morte, antes de chegarem ao seu destino final. Isso porque as almas dos finados precisam passar por sete portais antes de chegarem ao ‘Arabot celestial. Ali as almas dos piedosos são transformadas em anjos, e ali permanecem para sempre, louvando a Deus e banqueteando-se com a visão da glória da Shekiná. O primeiro portal é a caverna de Macpelá, nas vizinhanças do Paraíso, que está sob o cuidado e supervisão de Adão. Se a alma que se apresenta diante do portal é digna, ele grita: “Abram espaço! Seja bem-vindo!” A alma prossegue então até chegar ao portão do Paraíso, guardado pelo querubim e pela espada flamejante. Se não é achada digna, a alma é consumida pela espada; do contrário recebe um passe de admissão no Paraíso terrestre. Ali há um pilar de fumaça e de luz que se estende do Paraíso ao portão do céu; se alma conseguirá escalá-lo e alcançar o céu através dele dependerá do seu caráter. O terceiro portal, Zebul, fica na entrada do céu. Se a alma é digna, o guarda abre o portão e admite-a no Templo celestial. Miguel apresenta-a a Deus e a conduz então ao sétimo portal, ‘Arabot, além do qual as almas dos piedosos, transformadas em anjos, louvam ao Senhor e alimentam-se da glória da Shekiná.
APENAS QUEM CONSEGUE ABRIR CAMINHO ATRAVÉS DA ÁRVORE DO CONHECIMENTO PODE APROXIMAR-SE DA ÁRVORE DA VIDA.
No Paraíso erguem-se a árvore da vida e a árvore do conhecimento, sendo que essa segunda forma uma sebe ao redor da primeira. Apenas quem consegue abrir caminho através da árvore do conhecimento pode aproximar-se da árvore da vida, que é tão imensa que seriam necessários a um homem quinhentos anos para atravessar uma distância igual ao diâmetro do seu tronco, sendo que não é menos vasto o espaço sombreado por sua coroa de ramos. De debaixo dela flui a água que irriga toda a terra, abrindo-se em quatro correntes, o Ganges, o Nilo, o Tigre e o Eufrates. Porém foi apenas durante os dias da criação que o reino vegetal recorreu às águas da terra para o seu sustento. Mais tarde Deus fez com que as plantas dependessem da chuva, isto é, das águas superiores. As nuvens sobem da terra ao céu, de onde a água é derramada nelas para que sirvam de conduto. As plantas começaram a sentir o efeito da água apenas quando Adão foi criado. Embora tenham vindo à existência no terceiro dia, Deus não permitiu que elas brotassem e aparecessem acima da superfícia da terra até que Adão orou pedindo-lhe comida, pois Deus anseia pelas orações dos piedosos.
O Paraíso sendo o que era, Adão não tinha, naturalmente, que trabalhar na terra. É verdade que Deus colocou o homem no Jardim do Éden para tratar dele e mantê-lo, mas isso significava apenas que ele deveria estudar ali a Torá e guardar os mandamentos de Deus. Havia seis mandamentos em especial que todo ser humano deveria obedecer: não adorar ídolos, não blasfemar contra Deus, não cometer assassinato nem incesto, nem assalto nem roubo – sendo que todas as gerações têm o dever de instituir medidas de lei e ordem. Havia um mandamento adicional, mas era uma proibição temporária: Adão deveria comer apenas as ervas verdes do campo. A proibição contra o uso de animais para alimento só foi revogada na época de Noé, depois do dilúvio. Adão, no entanto, não foi privado de consumir de pratos de carne. Embora não lhe fosse permitido matar animais para satisfazer o seu apetite, os anjos traziam-lhe carne e vinho, servindo-o como criados. E da mesma forma que ministravam-lheos anjos de acordo com suas necessidades, faziam os animais. Esses encontravam-se inteiramente debaixo do seu domínio, e recebiam sua comida das mãos de Adão e de Eva. Em todos os sentidos o mundo animal tinha uma relação diferente com Adão da sua relação com os descendentes dele. Os animais não apenas conheciam a língua do homem, mas respeitavam a imagem de Deus, pelo que temiam o primeiro casal – porém tudo tornou-se o oposto disso depois da queda do homem.
ADÃO: A queda do homem
Entre os animais a serpente era notável. De todos ela possuía as mais excelentes qualidades, nalgumas das quais assemelhava-se ao homem. Como o homem ela caminhava sobre dois pés, e tinha o peso igual ao de um camelo. Não fosse a queda do homem, que trouxe infortúnio também sobre elas, bastaria um par de serpentes para realizar todo o trabalho que o homem tem de fazer; além disso, elas teriam lhe fornecido prata, ouro, jóias e pérolas. Na verdade, foi justamente essa habilidade da serpente que causou a ruína do homem e sua própria ruína. Seus dons intelectuais superiores levaram-na a ser infiel. Isso também explica a inveja que tinha do homem, especialmente de suas relações conjugais. A inveja da serpente fez com que ela imaginasse diversos modos e maneiras de ocasionar a morte de Adão. Ela conhecia bem demais o caráter do homem para tentar exercitar seus exercícios de persuasão sobre ele, por isso abordou a mulher, sabendo que as mulheres são facilmente enganadas.
“DA MESMA FORMA QUE ELE CRIA E DESTRÓI MUNDOS…”
Sua conversa com Eva foi habilmente planejada, de modo à mulher não ter como escapar da armadilha. A serpente começou:
– É verdade que Deus disse “vocês não podem comer de toda árvore do jardim”?
– Podemos – respondeu Eva – comer o fruto de todas as árvores do jardim, exceto daquela que fica no meio do jardim. Essa não devemos nem mesmo tocar, para que não sejamos feridos de morte.
Ela disse assim porque em seu zelo de guardá-la de transgredir o mandamento divino Adão havia proibido Eva de tocar a árcore, embora Deus tivesse mencionado apenas o consumo do fruto. Permanece verdadeiro o provérbio que diz: “melhor um muro firme de dez palmos de altura do que um de cem metros que não tem como ficar em pé”. Foi o exagero de Adão que permitiu à serpente persuadir a mulher a provar do fruto proibido. A serpente empurrou Eva contra a árvore e disse:
– Está vendo? Tocar a árvore não causou a sua morte. Comer o fruto da árvore também não vai lhe fazer mal algum. Não foi nada menos que perversidade que induziu a proibição, pois assim que comerem vocês serão como Deus. Da mesma forma que ele cria e destrói mundos, vocês terão também o poder de criar e destruir. Da mesma forma que ele mata e faz voltar à vida, vocês terão também o poder de matar e reviver. Ele mesmo comeu o primeiro fruto da árvore, e criou em seguida o mundo. É por isso que ele os proibiu de comer, para que vocês não criem outros mundos. Todo mundo sabe que artesãos do mesmo ofício odeiam uns aos outros. Além disso, vocês não perceberam que toda criatura tem autoridade sobre a criatura criada antes dela mesma? O céu foi feito no primeiro dia e é mantido no lugar pelo firmamento, feito no segundo dia. O firmamento, por sua vez, está submetido às plantas, criadas no terceiro dia, pois elas absorvem toda a água do firmamento. O sol e os outros corpos celestes, criados no quarto dia, exercem domínio sobre o mundo das plantas, que podem amadurecer seus frutos e florescer apenas através da influência deles. A criação do quinto dia, o mundo animal, exerce domínio sobre as esferas celestes; veja o ziz, que pode escurecer o sol com suas asas. Mas vocês são mestres de toda a criação, porque foram os últimos a serem criados. Comam depressa o fruto da árvore que está no meio do jardim e tornem-se independentes de Deus, para que não aconteça que ele produza novas criaturas que exerçam domínio sobre vocês.
“ELE MESMO COMEU O PRIMEIRO FRUTO DA ÁRVORE”.
Para dar peso a essas palavras, a serpente começou a sacudir violentamente a árvore, fazendo cair seus frutos. Ela comeu deles, e disse:
– Da mesma forma que eu não morro comendo do fruto, vocês também não morrerão.
Eva nada pôde fazer além de dizer a si mesma: “Tudo que meu mestre me ordenou (pois era assim que ela chamava Adão) não passam de mentiras!”. E estava determinada a seguir o conselho da serpente. Ela porém não conseguiu forçar-se a desobedecer o mandamento de Deus por completo. Eva chegou a um meio-termo com sua consciência: comeu primeiro só a casca da fruta; em seguida, vendo que a morte não lhe sobrevinha, comeu o fruto em si.
Mal havia terminado, ela viu o Anjo da Morte diante de si. Esperando que seu fim chegasse imediatamente, Eva determinou fazer Adão também comer do fruto proibido, para que ele não se casasse com outra mulher depois da sua morte. Foram necessários lágrimas e queixumes da parte dela para convencer Adão a tomar o passo fatídico. Não satisfeita, Eva deu o fruto a todos os seres vivos, para que estivesse também sujeitos à morte. Todos comeram e são todos mortais, com exceção do pássaro malham, que recusou o fruto com as seguintes palavras:
– Não basta vocês terem pecado contra Deus e terem trazido a morte sobre outros? Vocês vêem ainda até mim, tentando me persuadir a desobedecer o mandamento de Deus, para que eu coma e morra por causa disso? Não vou fazer o que vocês estão querendo.
“ALÉM DISSO, VOCÊS NÃO PERCEBERAM QUE TODA CRIATURA TEM DOMÍNIO SOBRE A CRIATURA CRIADA ANTES DELA MESMA?”
Ouviu-se então uma voz celestial que disse a Adão e Eva:
– A vocês a ordem foi dada, e vocês não a obedeceram. Ao contrário, transgrediram-na e tentaram persuadir o pássaro malham a fazer o mesmo. Ele foi fiel e me temeu, muito embora eu não tivesse dado a ele mandamento algum. Afirmo portanto que ele jamais provará a morte, nem ele nem os seus descendentes: viverão todos para sempre no Paraíso.
Adão disse a Eva:
– Você me deu da árvore que eu a proibi de comer? Você me deu dela sim, pois meus olhos se abriram, e estou com um azedo nos dentes1 da boca.
Eva respondeu:
– Se tenho um azedo nos dentes, que os dentes de todos os seres vivos tenho o azedo também.
O primeiro resultado foi que Adão e Eva ficaram nus. Antes disso seus corpos haviam estado cobertos por uma pele córnea, e envoltos na nuvem da glória. Mal haviam violado o mandamento dado eles, caíram deles a nuvem de glória e a pele córnea, e ficaram ali em sua nudez, envergonhados. Adão tentou juntar folhas de árvores para cobrirem seus corpos, mas ouviu uma árvore após a outra dizer:
– Esse é o ladrão que enganou seu Criador. Não! Não virá contra mim o pé da insolência, nem me tocará a mão2 do perverso!
Apenas a figueira deu-lhe permissão de tirar suas folhas, porque o figo era ele mesmo o fruto proibido. Adão teve a mesma experiência do príncipe que seduziu uma das camareiras do palácio. Quando o rei, seu pai, saiu em seu encalço, ele buscou em vão refúgio entre as outras camareiras, mas apenas a que havia ocasionado a sua desgraça prestou-lhe assistência.
Lendas dos Judeus é uma compilação de lendas judaicas recolhidas das fontes originais do midrash (particularmente o Talmude) pelo talmudista lituano Louis Ginzberg (1873-1953). Lendas foi publicado em 6 volumes (sendo dois volumes de notas) entre 1909 e 1928.

1 Conforme Jeremias 31:30
ADÃO: A punição
Enquanto Adão permaneceu nu, buscando algum meio de escapar do seu embaraço, Deus não apareceu a ele, pois não devemos “nos esforçar para ver um homem na hora da sua desgraça”. Ele esperou que Adão e Eva se cobrissem com folhas de figueira. Porém mesmo antes que Deus falasse com ele, Adão sabia o que estava para acontecer. Ele ouviu os anjos anunciarerm:
– Deus está dirigindo-se àqueles que habitam o Paraíso.
Ele ouviu mais, aquilo que os anjos estavam dizendo uns aos outros sobre a sua queda, e o que estavam dizendo a Deus. Perplexos, os anjos exclamavam:
– Quê? Ele ainda anda livremente pelo Paraíso? Não morreu ainda?
Pelo que Deus se pronunciou:
– Eu disse a ele “no dia em que comer você certamente morrerá”. Ora, vocês não sabem de que tipo de dia eu estava falando; se de um dos meus dias de mil anos ou de um dos dias de vocês. Darei a ele um dos meus dias: ele terá novecentos e trinta anos para viver, e setenta para deixar aos seus descendentes.
Quando Adão e Eva ouviram Deus se aproximando, esconderam-se entre as árvores – o que não teria sido possível antes da queda. Antes de cometer o seu pecado, a altura de Adão ia da terra ao céu, mas depois foi reduzida a cem côvados. Outra conseqüência do seu pecado foi o medo que Adão sentiu quando ouviu a voz de Deus; antes da queda ela não o inquietava de modo algum. Por isso quando Adão disse “Ouvi a sua voz no jardim e tive medo”, Deus replicou: “Antes você não tinha medo, agora tem?”
Deus conteve as repreensões a princípio. Em pé no portão do Paraíso ele apenas perguntou:
– Adão, onde está você?
DEUS QUERIA DAR A ELE A OPORTUNIDADE DE SE ARREPENDER.
Através disso Deus estava querendo ensinar ao homem uma regra de boas maneiras, a de nunca entrar na casa de outra pessoa sem anunciar-se primeiro. Não há como negar que as palavras “onde está você?” estavam prenhe de signficado; elas destinavam-se a fazer com que Adão percebesse a vasta diferença entre seu estado anterior e o atual: entre seu tamanho sobrenatural anterior e as dimensões reduzidas de agora; entre o senhorio do Senhor de antes e o senhorio da serpente de agora. Ao mesmo tempo, Deus queria dar a ele a oportunidade de se arrepender do seu pecado, para o qual Adão teria recebido o perdão divino. Porém, longe de arrepender-se, Adão difamou a Deus, proferindo blasfêmias contra ele. Quando Deus perguntou: “Você comeu da árvore que eu mandei que não comesse?” Adão não confessou o seu pecado, mas tentou justificar-se com as seguintes palavras:
– Ah, Senhor do mundo! Enquanto eu estava sozinho não caí em pecado, mas logo que me veio essa mulher ela me tentou.
Deus replicou:
– Eu a dei a você para ajudá-lo, e você está se mostrando ingrato ao acusá-la dessa forma, dizendo “foi ela que me deu o fruto da árvore”. Você não a deveria ter obedecido, pois a cabeça é você, não ela.
Deus, que sabe todas as coisas, já havia previsto exatamente isso, e não havia criado Eva até que Adão lhe pedisse uma ajudadora, para que ele tentasse colocar a culpa em Deus por ter criado a mulher.
Adão tentava colocar em outra pessoa a culpa pelo seu delito, e o mesmo fez Eva. A mulher, como seu marido, também não confessou sua transgressão e orou por perdão, o que teria sido concedido a ela. Gracioso como é, Deus não teria proferido condenação sobre Adão e Eva antes deles se mostrarem obstinados. Não foi assim com a serpente. Deus infligiu a maldição sobre a serpente sem ouvir a sua defesa, porque a serpente é perversa, e os iníquos são bons argumentadores. Se Deus a tivesse questionado a serpente teria perguntado:
– O senhor deu-lhes um mandamento e eu o neguei. Por que eles obedeceram a mim e não ao senhor?
Por isso Deus não entrou numa discussão com a serpente, mas decretou diretamente as seguintes dez punições: a boca da serpente foi fechada e ela perdeu a capacidade de falar; suas mãos e pés foram cortados fora; a terra lhe foi dada como alimento; ela é forçada a sofrer dor intensa durante a troca de pele; inimizade passou a existir entre ela e o homem; se ela comer as iguarias mais finas ou beber as bebidas mais doces, essas se transformarão em pó na sua boca; a gravidez da fêmea dura sete anos; as pessoas tentarão matá-la logo que a virem; mesmo no mundo futuro, quando todos os seres serão benditos, ela não escapará a punição decretada para ela; e desaparecerá da Terra Santa se Israel seguir nos caminhos do Senhor.
Além disso, Deus disse à serpente:
– Criei você para reinar sobre todos os animais, tanto os animais domésticos quanto as feras do campo, mas isso não lhe satisfez. Você será por essa razão mais maldita do que qualquer animal doméstico ou fera do campo. Criei você para ter uma postura ereta, mas isso não lhe satisfez. Você deverá por essa razão andar sobre sua barriga. Criei você para comer a mesma comida que o homem, mas isso não lhe satisfez. Você deverá por essa razão comer poeira todos os dias da sua vida. Você procurou causar a morte de Adão a fim tomar dele a sua esposa. Eu por isso estabeleço inimizade entre você e a mulher.
Quão verdadeiro é que aquele que cobiça o que não lhe é devido não apenas não obtém o que deseja, mas perde também aquilo que tem!
Os anjos estavam presentes quando a condenação foi proferida contra a serpente (pois Deus havia convocado o Sinédrio dos setenta e um anjos ao sentar-se para julgá-la), portanto a execução do decreto contra ele foi confiada aos anjos. Eles desceram do céu e cortaram as mãos e os pés da serpente. Seu sofrimento foi tamanho que seus berros de agonia foram ouvidos de uma extremidade a outra do mundo.
O veredito contra Eva consistiu também de dez maldições, sendo que o seu efeito é ainda perceptível até hoje na condição física, espiritual e social da mulher. Não foi o próprio Deus que anunciou a Eva a sua sina. A única mulher com quem Deus jamais falou foi Sara. No caso de Eva ele valeu-se dos serviços de um intérprete.
Finalmente, a punição de Adão também foi dividida em dez partes: ele perdeu seu traje celestial – Deus o despiu; com dificuldade ele teria de ganhar o seu pão; a comida que ele comia se transformaria de boa em ruim; seus filhos vagariam pela terra; seu corpo secretaria suor; ele teria uma inclinação para o mal; na morte seu corpo seria presa de vermes; os animais teriam poder sobre ele, no sentido de que poderiam matá-lo; seus dias seriam poucos e cheios de adversidade; e no fim ele teria de prestar contas de toda a sua conduta sobre a terra.
DEUS TERIA PERMITIDO QUE ELES PERMANECESSEM NO PARAÍSO.
Esses três pecadores não foram os únicos a receberem punição. A terra não teve melhor sorte, sendo culpada de vários delitos. Em primeiro lugar, ela não havia obedecido por completo à ordem que Deus dera no terceiro dia, de produzir “árvores frutíferas”. O que Deus desejara era uma árvore cuja madeira fosse agradável ao paladar da mesma forma que o fruto. A terra produziu árvores que davam frutos, mas a árvore em si não era comestível. A terra, além disso, não cumpriu o seu dever em relação ao pecado de Adão. Deus havia designado o sol e a terra para testemunharem contra Adão caso ele transgredisse. O sol, em conformidade com isso, escurecera no instante em que Adão tornara-se culpado de desobediência; porém a terra, não sabendo como apontar a queda de Adão, desconsiderou-a por completo. A terra sofreria também uma punição dividida em dez partes: sendo antes independente, a terra teria agora de esperar para ser regada pela chuva do alto; os grãos que ela produz seriam suscetíveis a ressecamento e mofo; ela teria de produzir toda espécie de vermes odiáveis; a partir daquele momento ela seria dividida em vales e montanhas; teria de fazer crescer árvores infecundas, que não dão fruto; espinhos e abrolhos brotariam dela; muito seria semeado na terra, mas pouco colhido; no futuro a terra terá de revelar o sangue que abriga, não podendo mais encobrir seus mortos; e, finalmente, ela deveria envelhecer como uma roupa.
Quando Adão ouviu as palavras “você produzirá espinhos e abrolhos” dirigidas [por Deus] à terra, seu rosto começou a suar, e ele disse:
– Quê? Será que eu e meu gado comeremos do mesmo coxo?
O Senhor teve misericórdia dele, e disse:
– Por causa do suor do seu rosto, você comerá pão.
A terra não foi a única coisa criada a sofrer com o pecado de Adão. O mesmo destino sobreveio à lua. Quando a serpente seduziu Adão e Eva, expondo a sua nudez, ambos choraram amargamente, e com eles choraram o céu, o sol e as estrelas, e todos os seres criados e coisas diante do trono de Deus. Os próprios anjos e seres celestiais lamentaram a transgressão de Adão. Apenas a lua riu, pelo que Deus se enfureceu e diminuiu a sua luminosidade. Ao invés de brilhar de forma invariável como o sol, ao longo de todo o dia, a lua envelhece rápido, e é obrigada a nascer e renascer vez após outra.
A conduta insensível da lua ofendeu a Deus, não apenas pelo contraste com a compaixão demonstrada por todas as outras criaturas, mas porque ele mesmo enchera-se de pena de Adão e sua esposa. Ele fez para eles roupas da pele tirada da serpente, e teria feito ainda mais; teria permitido que eles permanecessem no Paraíso, se eles apenas tivessem se mostrado arrependidos. Mas Adão e Eva recusaram-se a se arrepender e tiveram de partir, para que seu entendimento semelhante ao divino não os levasse a pilhar a árvore da vida e aprendessem a viver para sempre. De certo modo, ao expulsá-los do Paraíso, Deus não deixou que o atributo divino da justiça prevalecesse por completo. Ele associou misericórdia à justiça, e enquanto partiam ele disse:
– Ah, que pena que Adão não foi capaz de guardar o mandamento dado a ele nem por um pouco de tempo!
Para guardar a entrada do Paraíso, Deus designou os querubins, também chamados de espadas flamejantes eternamente revolventes, porque os anjos podem alternar-se entre um formato e outro de acordo com a necessidade. Ao invés da árvore da vida, Deus deu a Adão a Torá, que é semelhantemente uma árvore da vida para os que se apegam a ela, permitindo que ele habitasse no oriente, nas proximidades do Paraíso.
Tendo a sentença sido pronunciada sobre Adão, Eva e a serpente, o Senhor ordenou que os anjos conduzissem o homem e a mulher para fora do Paraíso. Esses começaram a chorar e suplicar amargamente, e os anjos tiveram pena deles, deixando de cumprir a ordem divina até que pudessem pedir a Deus que mitigasse o seu severo veredito. Porém o Senhor foi irredutível:
– Fui por acaso eu que cometi uma transgressão ou pronunciei falso julgamento?
Também a oração de Adão, que lhe fosse dado de comer o fruto da árvore da vida, foi negada – porém com a promessa de que, se ele levasse uma vida piedosa, ser-lhe-ia dado o fruto no dia da ressurreição, e viveria para sempre.
ELES HAVIAM DESFRUTADO DOS ESPLENDORES DO PARAÍSO POR POUCAS HORAS.
Vendo que Deus estava irremediavelmente decidido, Adão começou a chorar e implorar aos anjos que lhe dessem pelo menos permissão para levar consigo especiarias de doce aroma para fora do Paraíso, para que lá fora ele também pudesse oferecer ofertas a Deus, e suas orações fossem aceitas diante do Senhor. Pelo que os anjos foram até Deus e disseram:
– Rei da eternidade, ordena-nos que demos a Adão temperos de doce aroma do Paraíso.
E Deus ouviu a oração deles. Adão colheu açafrão, nardo, cálamo e canela, e além disso toda sorte de sementes para o seu sustento. Carregando essas coisas, Adão e Eva deixaram o paraíso e vieram à terra. Eles haviam desfrutado dos esplendores do Paraíso por um brevíssimo período, de umas poucas horas. Foi na primeira hora do sexto dia da criação que Deus teve a idéia de criar o homem; na segunda hora ele pediu o conselho dos anjos; na terceira ele juntou terra para o corpo do homem; na quarta, formou Adão; na quinta revestiu-o de pele; na sexta seu corpo sem alma estava completo, de modo que ele podia postar-se de pé; na sétima a alma foi soprada nele; na oitava o homem foi conduzido ao Paraíso; na nona foi dada a ele a ordem divina que proibia-o de comer o fruto da árvore no meio do jardim; na décima ele transgrediu essa ordem; na décima primeira foi julgado, e na décima segunda hora foi expulso do Paraíso para expiação do seu pecado.
Esse dia fatídico foi o primeiro do mês de Tishri, por isso Deus disse a Adão:
– Você será o protótipo dos seus filhos. Da mesma forma que você foi julgado por mim neste dia e absolvido, os filhos de Israel serão julgados por mim neste dia de Ano Novo, e serão absolvidos.
Cada dia da criação produziu três coisas: o primeiro, o céu, a terra e a luz; o segundo, o firmamento, ogehenna e os anjos; o terceiro, árvores, ervas e o Paraíso; o quarto, o sol, a lua e as estrelas; o quinto, peixes, pássaros e o leviatã. Como Deus planejava descansar no sexto dia, o Sábado, trabalhou em dobro na sexta-feira, produzindo seis criaturas: Adão, Eva, gado, répteis, feras do campo e demônios. Os demônios foram criados logo antes do início do Sábado e são, por essa razão, espíritos sem corpo – o Senhor não teve tempo de criar-lhes corpos.
O SENHOR NÃO TEVE TEMPO DE CRIAR CORPOS PARA OS DEMÔNIOS.
No crepúsculo entre o sexto dia e o Sábado dez criações foram produzidas: o arco-íris, mantido invisível até o tempo de Noé; o maná; as fontes de água, das quais Israel tiraria água para saciar sua sede no deserto; a inscrição sobre as duas placas de pedra dadas no Sina; a pena com a qual a inscrição foi escrita; as duas placasem si; a boca da mula de Balaão; o túmulo de Moisés; a caverna na qual habitariam Moisés e Elias, e a vara de caminhada de Arão, com suas flores e amêndoas maduras.
ADÃO: O sábado no céu
Antes que o mundo fosse criado ninguém havia para louvar a Deus e conhecê-lo. Por essa razão ele criou os anjos e os santos Hayyot, o céu e todo o seu exército e também Adão. Todos esses deveriam louvar e glorificar o seu Criador. Durante a semana da criação, no entanto, não era apropriado louvar o Senhor e proclamar o seu esplendor. Apenas no Sábado, quando toda a criação cessou, os seres da terra e do céu, todos juntos, irromperam em cântico e adoração enquanto Deus subia até seu trono e tomava assento nele. Era no Trono da Alegria que ele assentava-se, e fez passar todos os anjos diante de si – o anjo da água, o anjo dos rios, o anjo das montanhas, o anjo das colinas, o anjo dos abismos, o anjo dos desertos, o anjo do sol, o anjo da lua, o anjo das Plêiades, o anjo de Orion, o anjo das ervas, o anjo do Paraíso, o anjo do Gehenna, o anjo das árvores, o anjo dos répteis, o anjo dos animais selvagens, o anjo dos animais domésticos, o anjo dos peixes, o anjo dos gafanhotos, o anjo dos pássaros, o anjo-chefe sobre os anjos, o anjo de cada um dos céus, o anjo-chefe de cada divisão dos exércitos celestiais, o anjo-chefe dos Hayyot, o anjo-chefe dos querubins, o anjo-chefe dos ofanim, e todos os outros esplêndidos, terríveis e poderosos anjos.
Esses todos compareceram diante de Deus com grande alegria, banhados numa torrente de alegria, e regozijaram-se e dançaram e cantaram, e exaltaram o Senhor com muitos louvores e muitos instrumentos.
ERA NO TRONO DA ALEGRIA QUE ELE ASSENTAVA-SE.
Os anjos ministrantes começaram:
– Dure para sempre a glória do Senhor!
E o restante dos anjos retomaram a canção com as seguintes palavras:
– Alegre-se o Senhor nas suas obras!
Arabot, o sétimo céu, estava cheio de júbilo e glória, esplendor e força, poder e força e orgulho e magnificência e grandiosidade, louvor e celebração, cântico e alegria, lealdade e integridade, honra e adoração.
O Senhor chamou então o Anjo do Sábado para assentar-se num trono de glória, e trouxe diante dele os anjos-chefes de todos os céus e de todos os abismos, e convocou-os a dançar e celebrar, dizendo:
– É Sábado diante do Senhor!
Os príncipes exaltados do céu responderam:
– Diante do Senhor é Sábado!
Foi permitido até mesmo a Adão subir ao mais alto céu, para participar dos festejos por causa do Sábado.
Foi conferindo a alegria do Sábado sobre todos os seres, sem excetuar Adão, que o Senhor dedicou sua criação. Ao ver a majestade do Sábado, sua honra e grandiosidade, e a felicidade que conferia a todos, por ser a fonte de toda alegria, Adão entoou uma canção de louvir ao dia do Sábado. Deus então disse a ele:
– Você canta uma canção em louvor ao dia do Sábado, e a mim, o Deus do Sábado, não canta canção alguma?
Diante do que o Sábado ergueu-se do seu assento e prostrou-se diante de Deus, dizendo:
– Bom é dar graças ao Senhor.
E toda criação acrescentou:
– E cantar louvores ao seu nome, ó, Altíssimo.
Este foi o primeiro sábado, e esta foi sua celebração no céu por parte de Deus e dos anjos. Os anjos foram informados na mesma ocasião que em em dias futuros Israel observaria aquele dia como santo de modo similar.
– Separarei para mim mesmo um povo dentre todos os povos – Deus disse a eles. – Esse povo guardará o Sábado, e eu o santificarei para que seja o meu povo, e eu serei o seu Deus. De todos que tenho visto, escolhi toda a semente de Israel, e o designei como meu filho primogênito, e o santifiquei para mim mesmo por toda a eternidade, a ele e ao Sábado, para que guarde o Sábado e abstenha-se nele de qualquer trabalho.
Para Adão o Sábado teve um significado peculiar. Quando ele foi forçado a abandonar o Paraíso no crepúsculo da véspera de Sábado, os anjos disseram enquanto ele se afastava:
– Adão não passou nem sequer uma noite residindo na sua glória.
O Sábado então apareceu diante de Deus para defender Adão, e disse:
– Ó Senhor do mundo, nos seis dias de trabalho nenhuma criatura foi morta. Se o senhor começar agora matando Adão, o que será da santidade e da benção do Sábado?
Deste modo Adão foi resgatado dos fogos do inferno, que seriam a punição adequada para seus pecados. Ele em gratidão compôs uma salmo em honra ao Sábado, que Davi mais tarde incorporou no seu saltério.
Ainda outra oportunidade foi concedida a Adão de aprender e apreciar o valor do Sábado. A luz celestial, através da qual Adão podia contemplar o mundo de ponta a ponta, deveria por justiça ter desaparecido imediatamente após o seu pecado. Porém, por consideração ao Sábado, Deus permitiu que essa luz continuasse a brilhar, e os anjos, ao entardecer do sexto dia, entoaram uma canção de louvor e gratidão a Deus, pela luz radiante que brilhava noite adentro. Apenas quando o Sábado foi embora a luz celestial cessou, para consternação de Adão, que temia que a serpente pudesse atacá-lo no escuro. Deus porém iluminou o seu entendimento, e ele aprendeu a esfregar duas pedras uma contra a outra e desta forma produzir luz para suprir suas necessidades.
A luz celestial foi apenas uma das sete dádivas preciosas das quais Adão desfrutou antes da queda e que serão concedidas novamente ao homem apenas na era messiânica. As outras são a resplandescência do seu rosto, a vida eterna, a elevada estatura, os frutos do solo, os frutos da árvore e as luminárias do céu, o sol e a lua – pois no mundo que há de vir a luz da lua será como a luz do sol, e a luz do sol será sete vezes mais intensa.
ADÃO: O arrependimento de Adão
Expulsos do Paraíso, Adão e Eva construíram para si uma cabana, e por sete dias ficaram sentados em grande aflição, lamentação e pesar. Ao final dos sete dias, atormentados pela fome, saíram e foram procurar comida. Por outros sete dias Adão cruzou a região de um lado a outro, procurando o tipo de delícias finas de que haviam desfrutado no Paraíso. Foi em vão: ele nada encontrou. Eva então disse a seu marido:
– Meu senhor, se lhe agrada, mate-me. Talvez Deus leve-o então de volta para o Paraíso, pois o Senhor Deus ficou irado com você por minha causa.
Porém Adão rejeitou esse plano com aversão, e saíram ambos novamente em busca de comida. Nove dias se passaram, e nada ainda tinham encontrado que se assemelhasse ao que tinham tido no Paraíso. Viram apenas comida adequada para gado e animais selvagens. Adão então propôs:
– Façamos penitência. Talvez Deus nos perdoe e tenha pena de nós, e nos dê alguma coisa para sustentar a vida.
Sabendo que Eva não era forte o bastante para suportar a mortificação da carne que ele propunha infligir sobre si mesmo, Adão prescreveu-lhe uma penitência diferente da sua.
NENHUMA PALAVRA SAIA DA SUA BOCA, POIS SOMOS INDIGNOS DE SUPLICAR A DEUS.
– Levante-se – ele disse, – vá até o Tigre, pegue uma pedra e fique em pé sobre ela na parte mais profunda do rio, onde a água chega-lhe na altura do pescoço. Que nenhuma palavra saia da sua boca, pois somos indignos de suplicar a Deus: nossos lábios estão impuros em razão do fruto proibido da árvore. Permaneça na água por trinta e sete dias.
Para si mesmo Adão determinou quarenta dias de jejum, enquanto ele permanecia em pé no rio Jordão, da mesma forma que Eva deveria ficar nas águas do Tigre. Depois de ajustar a pedra no meio do Jordão e subir nela com as águas chegando-lhe ao pescoço, ele disse:
– Conclamo a você, água do Jordão: aflija-se comigo, e reúna ao meu redor todas as criaturas nadantes que vivem em você. Que elas me cerquem e lamentem comigo e, ao invés de golpearem de aflição os seus próprios peitos, golpeiem a mim. Não foram eles que pecaram, mas apenas eu!
Logo vieram todos, os residentes do Jordão, e cercaram-no, e daquele momento em diante a água do Jordão parou, cessando de fluir.
A penitência que Adão e Eva impuseram a si mesmos despertou receios em Satanás. Ele temia que Deus perdoasse o pecado deles, e por isso planejou desviar Eva do seu propósito. Passados dezoito dias ele apareceu a ela disfarçado de anjo; fingindo condoer-se dela, começou a bradar, dizendo:
– Saia desse rio e não chore mais! O Senhor Deus ouviu a sua lamentação, e sua penitência foi aceita por ele! Todos os anjos suplicaram ao Senhor em seu favor, e ele enviou-me para tirá-la da água e dar a vocês o sustento de que desfrutavam no Paraíso, cuja perda vocês têm estado lamentando.
Enfraquecida como estava por suas penitências e mortificações, Eva cedeu à insistência de Satanás, e ele a conduziu até onde estava seu marido. Adão reconheceu-o de imediato, e entre lágrimas clamou:
– Ah Eva, Eva, onde está agora a sua penitência? Como você pôde deixar-se seduzir novamente pelo nosso adversário, ele que roubou de nós nossa permanência no Paraíso e toda alegria espiritual?
Pelo que Eva começou a chorar e clamar:
– Tenha vergonha, Satanás! Por que você nos hostiliza sem razão? O que foi que fizemos para que você nos persiga com tamanha malícia?
Com um suspiro profundo, Satanás contou-lhes de que forma Adão, de quem tivera inveja, tinha sido o verdadeiro motivo da sua queda. Tendo perdido sua glória através do homem, tinha determinado fazer com que ele fosse expulso do Paraíso.
ELE ENTENDEU QUE O QUE TINHA DEPLORADO ERA O CURSO DA NATUREZA.
Depois de ouvir a confissão de Satanás, Adão orou a Deus:
– Senhor meu Deus! Minha vida está em suas mãos. Retira de mim esse adversário, que busca levar minha alma à destruição, e concede-me a glória a que ele não tem mais direito.
Satanás desapareceu imediatamente, mas Adão prosseguiu em sua penitência, ficando em pé nas águas do Jordão por quarenta dias.
Enquanto permanecia dentro do rio Adão percebeu que os dias iam ficando mais curtos, e teve medo de que o mundo pudesse estar escurecendo por causa do seu pecado, e desabaria em breve. Para evitar a perdição ele passou oito dias em oração e jejum. Porém depois do solstício do inverno, quando viu os dias tornando-se mais longos novamente, Adão passou oito dias festejando, e no ano seguinte celebrou ambos os períodos, o anterior e o posterior ao solstício. É por isso que os pagãos celebram as calendas e a saturnália em honra aos seus deuses, embora Adão tenha consagrado ambos os dias em honra a Deus.
Na primeira vez em que viu o sol se pôr Adão também foi tomado de apreensão e temor. Aconteceu na conclusão do Sábado, e Adão disse:
– Ai de mim! Por minha causa, pelo meu pecado, a terra escureceu, e ficará novamente sem forma e vazia. Assim será executada a punição de morte que Deus proferiu contra mim!
Toda a noite ele passou em lágrimas, bem como Eva, que chorava sentada de frente para ele. Quando o dia começou a clarear ele entendeu que o que tinha deplorado era o curso da natureza, e trouxe uma oferta para Deus, um unicórnio cujo chifre foi criado antes dos cascos, e sacrificou-o no lugar onde mais tarde se ergueria o altar em Jerusalém.
ADÃO: O livro de Raziel
Depois de ser expulso do Paraíso Adão orou a Deus com as seguintes palavras:
– Ó Deus, Senhor do mundo! O senhor criou o mundo inteiro para honra e glória do Poderoso, e fez da forma que lhe agradou. Seu reino é por toda a eternidade, e seu reinado por todas as gerações. Nada lhe está oculto, e nada escondido dos seus olhos. O senhor criou-me como obra das suas mãos, e estabeleceu-me como governante sobre as suas criaturas, para que eu exercesse domínio sobre as suas obras. Porém a ardilosa e execrável serpente seduziu-me com desejo e com lascívias; seduziu, é verdade, a esposa do meu coração. O senhor, no entanto, não revelou-me o que sobrevirá a meus filhos e às gerações depois de mim. Sei muito bem que nenhum ser humano é capaz de ser íntegro aos seus olhos. E que é minha força para que eu me coloque na sua presença com rosto impudente? Não tenho boca com que falar nem olho com o qual ver, pois verdadeiramente pequei e cometi transgressão, e por causa dos meus pecados fui expulso do Paraíso. Devo arar a terra da qual fui tomado, e os demais habitantes da terra, os animais selvagens, não mais, como antes, demonstram assombro e temor diante de mim. A partir do instante em que comi da árvore do conhecimento do bem e do mal a sabedoria me abandonou: sou um tolo que nada sabe, um ignorante que nada compreende. Agora, misericordioso e gracioso Deus, peço que volte novamente a sua compaixão ao cabeça das suas obras, ao espírito que instilou nele e à alma que soprou nele. Venha ao meu encontro com a sua graça, pois o senhor é gracioso, tardio em irar-se e pleno de amor. Que a minha oração alcance o trono da sua glória, e a minha súplica o trono de sua misericórdia; que o senhor se incline na minha direção com amor. Que as palavras da minha boca sejam aceitáveis, e o senhor não dê as costas à minha petição. O senhor é desde a eternidade e será até a eternidade; era rei, e será rei. Tenha agora misericórdia da obra das suas mãos; conceda-me conhecimento e compreensão, para que eu saiba o que sobrevirá a mim, à minha posteridade e a todas as gerações que virão depois de mim, e o que me sobrevirá a cada dia e a cada mês. Não negue a mim o auxílio dos seus servos e dos seus anjos.
No terceiro dia depois que Adão ofereceu essa oração, enquanto sentava às margens do rio que flui do Paraíso, apareceu a ele, na hora mais quente do dia, o anjo Raziel, trazendo nas suas mãos um livro. O anjo dirigiu-se a Adão com as seguintes palavras:
– Adão, porque está tão desanimado? Porque tão aflito e ansioso? As suas palavras foram ouvidas no momento em que, entre apelos e súplicas, você as proferiu, e recebi a incumbência de ensinar-lhe palavras puras e compreensão profunda, de torná-lo sábio através do conteúdo do livro sagrado que trago nas mãos, e de dar-lhe a conhecer o que irá lhe sobrevir até o dia da sua morte. Quanto a todos os seus descendentes e todas as gerações posteriores, se lerem este livro em pureza, com um coração devoto e uma mente humilde, e obedecerem aos seus preceitos, tornar-se-ão como você: eles também saberão de antemão o que acontecerá, em qual mês e em qual dia ou qual noite. Tudo estará manifesto para eles: saberão e compreenderão se uma calamidade está por vir, uma fome ou animais selvagens, inundações ou seca; se haverá abundância de grão ou escassez; se os perversos governarão o mundo; se gafanhotos devastarão a terra; se os frutos cairão das árvores ainda verdes; se furúnculos afligirão os homens; se guerras predominarão, ou doenças ou pragas entre homens e gado; se o bem foi resolvido no céu, ou o mal; se o sangue fluirá, e o rumor de morte dos abatidos será ouvido na cidade. E agora, Adão, venha e dê ouvidos a tudo que lhe direi a respeito da natureza deste livro e da sua santidade.
O anjo Raziel então leu do livro e, quando ouviu as palavras do santo volume proferidas pela boca do anjo, Adão caiu no chão, tomado de pavor. Porém o anjo o encorajou:
– Levante-se, Adão – ele disse. – Coragem, não tenha medo, aceite este livro de mim e guarde-o, pois dele você extrairá conhecimento e se tornará sábio, e irá também ensinar o conteúdo dele a todos que forem dignos de saberem o que ele contém.
No momento em Adão pegou o livro uma chama de fogo brotou das proximidades do rio, e o anjo subiu sobre ela em direção ao céu. Adão então soube que o que havia falado com ele era um anjo de Deus, e que o livro vinha do próprio Rei Santo, e usou-o em santidade e pureza. Esse é o livro do qual podem ser aprendidas todas as coisas que vale à pena saber, e todos os mistérios; que ensina também como invocar os anjos e fazê-los aparecerem diante dos homens, e responderem todas as suas perguntas. Porém não são todos que podem fazer uso do livro, apenas aquele que é sábio e temente a Deus, e recorre a ele em santidade. Esse estará seguro contra todos os conselhos perversos, sua vida será serena, e quando a morte tirá-lo do mundo, encontrará repouso num lugar onde não há nem demônios nem espíritos do mal, e das mãos dos perversos será velozmente resgatado.
ADÃO: A doença de Adão
Depois de viver novecentos e trinta anos Adão foi tomado de uma enfermidade, e sentiu que seus dias estavam chegando ao fim. Ele chamou todos os seus descendentes e reuniu-os diante da porta da casa de adoração na qual oferecia suas orações a Deus, a fim de dar-lhes sua última benção. Sua família ficou perplexa de encontrá-lo deitado em seu leito de enfermidade, pois não sabiam o que era dor e sofrimento. Sete anunciou sua disposição de ir até os portões do Paraíso e pedir a Deus que deixasse um de seus anjos trazer para Adão um de seus frutos. Adão, porém, explicou-lhes o que eram doença e dor, e que Deus os havia infligido sobre ele como punição pelo seu pecado.
Adão sofria brutalmente; a doença arrancava dele lágrimas e gemidos de dor. Chorando aos soluços, Eva disse:
– Adão, meu senhor, dê-me metade da sua enfermidade e eu a levarei sobre mim de bom grado. Não foi então por minha causa que isso lhe sobreveio? Por minha causa você sofre dor e angústia.
ADÃO, PORÉM, EXPLICOU-LHES O QUE ERAM DOENÇA E DOR.
Adão pediu a Eva que fosse com Sete aos portões do Paraíso implorar que Deus tivesse misericórdia dele; que mandasse seu anjo pegar um pouco do óleo que flui da árvore da sua misericórdia e entregasse aos seus mensageiros. O ungüento lhe traria descanso, e mandaria embora a dor que o consumia. No seu caminho para o Paraíso, Sete foi atacado por um animal selvagem. Eva gritou para o agressor:
– Como ousa tocar a imagem de Deus?
A resposta veio imediatamente:
– A culpa é sua! Se não tivesse aberto a sua boca para comer do fruto proibido, minha boca não estaria agora aberta para destruir um ser humano.
Porém Sete repreendeu:
– Morda a sua língua! Deixe em paz a imagem de Deus até o dia do julgamento.
O animal abriu caminho para eles, dizendo:
– Vejam, deixo passar a imagem de Deus.
E esgueirou-se de volta para o seu esconderijo.
Chegados aos portões do Paraíso, Eva e Sete começaram a chorar amargamente, e com muitas lamentações imploraram a Deus que desse a eles do óleo da árvore da sua misericórdia. Por horas eles oraram assim. Finalmente apareceu o arcanjo Miguel, e disse-lhes que vinha na qualidade de mensageiro de Deus para informar que o pedido deles não podia ser concedido. Adão morreria dali a poucos dias, e como estava sujeito à morte, assim estariam os seus descendentes. Apenas por ocasião da ressurreição, e apenas para os piedosos, o óleo da vida seria fornecido, juntamente com toda a bem-aventurança e os deleites do Paraíso.
A MORTE É O DESTINO DE TODA A NOSSA RAÇA.
Retornando a Adão eles relataram o que havia acontecido, e Adão disse a ela:
– Que grande desgraça você trouxe sobre nós ao despertar tamanha ira! Veja, a morte é o destino de toda a nossa raça! Chame os nossos filhos e os filhos de nossos filhos, e conte a eles a forma como pecamos.
E enquanto Adão jazia prostrado em seu leito de dor, Eva contou-lhes a história da queda deles.
ADÃO: Eva narra a história da queda
Depois que fui criada Deus dividiu o Paraíso e todos os animais que ele continham entre Adão e eu. O leste e o norte foram designados a Adão, juntamente com todos os animais do sexo masculino. Eu era a senhora do oeste e do sul e de todos os animais do sexo feminino. Satanás, remoendo a desgraça de ter sido expulso do exército celestial, resolveu provocar a nossa ruína e assim vingar-se do seu fracasso. Ele conquistou a serpente para o seu lado, observando que antes da criação de Adão os animais podiam desfrutar de tudo que crescia no Paraíso, mas agora estavam restritos ao consumo de ervas rasteiras. A expulsão de Adão do Paraíso traria, portanto, benefícios para todos. A serpente hesitou, pois temia a ira de Deus, mas Satanás acalmou seus temores:
– Disponha-se apenas a ser meu vaso, e falarei através da sua boca um discurso que se mostrará capaz de seduzir o homem.
“O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO NO PARAÍSO?”
A serpente então ficou suspensa no muro que cerca o Paraíso, a fim de poder conversar comigo a partir de fora. Isso aconteceu precisamente quando meus dois anjos da guarda haviam subido ao céu para suplicar ao Senhor. Eu estava portanto inteiramente sozinha, e quando Satanás assumiu a forma de um anjo e inclinou-se junto ao muro externo do Paraíso, entoando canções seráficas de louvor, fui enganada, pensando que fosse um anjo. Iniciou-se então uma conversa, Satanás falando através da boca da serpente:
– Eva é você?
– Sim, eu mesma.
– O que você está fazendo no Paraíso?
– O Senhor colocou-nos aqui para cultivá-lo e comer dos seus frutos.
– Que bom. Mas vocês não podem comer de todas as árvores.
– Podemos sim, com exceção de uma, a árvore que fica no meio do Paraíso. Foi só dela que Deus nos proibiu de comer; do contrário, disse ele, morreremos.
A serpente esforçou-se de todo modo para me persuadir de que eu não tinha nada a temer – que Deus sabia que no dia em que eu e Adão comessemos do fruto da árvore, seríamos como ele mesmo. Tinha sido inveja que havia levado a Deus a não comermos dele.
Apesar dessa insistência, permaneci firme, recusando-me a tocar a árvore. A serpente então se dispôs a colher um fruto da árvore para mim. Diante disso abri o portão do Paraíso, e ela deslizou para dentro. Mal havia entrado ela exclamou:
– Estou arrependida do que disse. Acho melhor não dar a você o fruto da árvore proibida.
Esse foi um astucioso ardil para tentar-me ainda mais. Ela disse que consentiria em dar-me o fruto apenas se eu prometesse que faria meu marido comer dele também. O juramento que me fez fazer foi o seguinte:
– Pelo trono de Deus, pelos querubins e pela árvore da vida, darei a meu marido deste fruto, para que ele também coma.
A SERPENTE SUBIU NA ÁRVORE E INJETOU NO FRUTO O SEU VENENO.
Em seguida a serpente subiu na árvore e injetou no fruto o seu veneno, o veneno da inclinação para o mal, e inclinou até o chão o galho do qual ele crescia. Peguei o fruto, mas soube de imediato que tinha sido despojada da integridade com a qual havia estado vestida. Comecei a chorar, por causa disso e por causa do juramento que a serpente havia arrancado de mim.
A serpente desapareceu da árvore enquanto eu procurava folhas para cobrir a minha nudez, mas todas as árvores ao meu alcance haviam deixado cair suas folhas no momento em que comi do fruto proibido. Apenas uma reteve suas folhas, a figueira, a própria árvore cujo fruto havia sido proibido para mim. Chamei Adão, e usando palavras blasfemas consegui convencê-lo a comer do fruto. Porém mal ele havia ultrapassado seus lábios, Adão tornou-se consciente de sua verdadeira condição e bradou contra mim:
– Mulher perversa, que foi que você fez comigo? Você me privou da glória de Deus.
Naquele mesmo instante Adão e eu ouvimos o arcanjo Miguel tocar sua trombeta, e os anjos exclamando:
– Assim diz o Senhor, venham comigo ao Paraíso e ouçam a sentença que proferirei sobre Adão.
Escondemo-nos, porque temíamos o julgamento de Deus. Assentado em sua carruagem puxada por querubins, e acompanhado por anjos que proferiam seu louvor, o Senhor apareceu no Paraíso. À sua chegada as árvores nuas novamente produziram folhas. Seu trono erguia-se junto à árvore da vida. Deus dirigiu-se a Adão:
– Adão, onde você está escondido? Acha que não posso encontrá-lo? Pode uma casa esconder-se do seu arquiteto?
Adão tentou colocar a culpa em mim, que havia prometido mantê-lo inocente diante de Deus; eu, por minha vez, acusei a serpente. Mas Deus distribuiu justiça sobre nós três. A Adão ele disse:
“AMARGAMENTE OPRIMIDO, VOCÊ JAMAIS EXPERIMENTARÁ QUALQUER DOÇURA.”
– Você não obedeceu os meus mandamentos mas deu ouvidos à voz da sua mulher, por isso maldito será o solo apesar de todo o seu esforço. Quando você cultivá-lo ele se recusará a lhe entregar a sua força. Ele lhe dará espinhos e cardos, e com o suor do seu rosto você comerá o pão. Você enfrentará muitas adversidades, perderá as forças e ainda assim não achará descanso. Amargamente oprimido, você jamais experimentará qualquer doçura, sendo castigado pelo calor e açoitado pelo frio. Você labutará muito, porém sem acumular riqueza. Você engordará, porém deixará de viver. Os animais sobre os quais você é mestre se levantarão contra você, porque não obedeceu a minha ordem.
Sobre mim Deus proferiu a seguinte sentença:
– Você sofrerá angústia e dolorosa tortura na hora do parto. Em tristeza você dará a luz seus filhos, e na hora do parto, quando estiver perto de perder a vida, você confessará e exclamará: “Senhor, senhor, salve-me nesta hora, e jamais voltarei a ceder ao prazer carnal”. Porém ainda assim o seu desejo permanecerá continuamente voltado para o seu marido.
Na mesma ocasião toda sorte de enfermidades foi decretada sobre nós. Deus disse a Adão:
– Por ter dado as costas à minha aliança, infligirei setenta pragas sobre a sua carne. A dor da primeira praga se apoderará dos seus olhos, a dor da segunda praga a sua audição, e uma após a outra as setenta pragas recairão sobre você.
À serpente Deus disse:
– Por ter se tornado vaso do Maligno, enganando os inocentes, você será maldita, mais do que qualquer animal de criação ou animal selvagem. A comida que você desejar comer lhe será subtraída, e você comerá poeira todos os dias da sua vida. Você se arrastará sobre seu peito e sobre sua barriga, e será privada de suas mãos e pés. Você perderá suas orelhas, suas asas e todos os outros membros que usou para seduzir a mulher e o marido dela, levando-os a serem expulsos do Paraíso. Colocarei inimizade entre você e a descendência do homem: ela lhe ferirá a cabeça e você lhe ferirá o calcanhar, até o dia do julgamento.
ADÃO: A morte de Adão
No último dia da vida de Adão, Eva disse a ele:
– Por que eu deveria continuar a viver, se você não vai estar mais aqui? Por quanto tempo terei de permanecer depois da sua morte? Diga-me!
Adão assegurou-lhe que ela não teria de esperar muito: morreriam juntos, e seriam enterrados no mesmo lugar. Ele ordenou que Eva não tocasse o seu cadáver até que um anjo de Deus tomasse as providências necessárias a respeito dele; ela deveria, além disso, começar a orar imediatamente a Deus, até que sua alma escapasse do seu corpo.
Enquanto Eva estava de joelhos em oração chegou um anjo, e disse a ela que se levantasse.
– Erga-se, Eva, da sua penintência – ordenou ele. – Veja, seu marido abandonou o seu invólucro mortal. Levante-se, e veja o espírito dele ascendendo até o seu Criador, a fim de comparecer diante dele.
E, para sua surpresa, Eva avistou uma carruagem de luz, puxada por quatro águias resplandecentes e escoltada por anjos. Nessa carruagem jazia a alma de Adão, que os anjos estavam levando para o céu. Chegando ali eles queimaram incenso, até que nuvens de fumaça cobriam o céu, e puseram-se a orar para que Deus tivesse misericórdia daquele que era sua imagem e obra das suas santas mãos.
Em seu assombro e seu pavor Eva chamou Sete, e pediu que ele contemplasse a visão e explicasse as visões celestiais que ultrapassavam a sua compreensão.
– Quem podem ser – ela perguntou – os dois etíopes que estão acrescentando suas orações às do seu pai?
Sete disse-lhe que eram o sol e a lua, tornados negros por não poderem emitir brilho diante do Pai das luzes.
Mal ele havia falado e um anjo tocou sua trombeta, e todos os anjos bradaram em formidável uníssono:
– Bendita seja a glória do Senhor sobre suas criaturas, pois demonstrou misericórdia sobre Adão, obra das suas mãos!
Um serafim tomou então Adão e carregou-o até o rio Aqueronte, lavou-o três vezes e levou-o até a presença de Deus, assentado no seu trono, que estendeu sua mão, ergueu Adão e entregou-o ao arcanjo Miguel, com as seguintes palavras:
– Erga-o até o Paraíso do terceiro céu, e deixe a alma dele ali até o grande e temível dia ordenado por mim.
Miguel executou o mandado divino, e todos os anjos entoaram uma canção de louvor, exaltando a Deus pelo perdão que havia concedido a Adão.
“AGORA EU LHE PROMETO A RESSURREIÇÃO”.
Miguel em seguida pediu a Deus permissão para preparar o corpo de Adão para a sepultura. Concedida a permissão, Miguel retornou à terra, acompanhado por todos os anjos. Assim que adentraram o Paraíso terrestre todas as árvores floresceram, e o perfume emitido por elas fez com que todos os homens caíssem no sono, com exceção de Sete. Deus então disse a Adão, cujo corpo jazia no chão:
– Se você tivesse guardado o meu mandamento, não poderiam regozijar-se os culpados que levaram-no a esta condição. Mas eu garanto a você, transformarei em tristeza a alegria de Satanás e de seus companheiros, e a sua tristeza se transformará em alegria. Restituirei o seu domínio, e você ocupará o trono daquele que o seduziu, enquanto ele será condenado, juntamente com os que lhe dão ouvidos.
Em seguida, ao comando de Deus, os três grandes arcanjos cobriram o corpo de Adão com linho, e derramarem sobre ele óleo aromático. Com Adão enterraram também o corpo de Abel, que jazia sem ser enterrado desde que fora assassinado por Caim, porque todos os esforços do assassino para ocultá-lo haviam sido em vão. Vez após outra o cadáver havia brotado para fora da terra, e dela saíra uma voz que dizia: “nenhuma criatura poderá repousar no interior terra até que o primeiro de todos tenha devolvido a mim o pó com o qual foi formado”. Os anjos carregaram os dois corpos, o de Adão e o de Abel, para o Paraíso (o corpo de Abel jazera até aquele momento numa pedra sobre a qual os anjos o haviam colocado) e enterraram-nos juntos no local de onde Deus havia retirado o pó para formar Adão.
– Adão, Adão! – Deus disse ao corpo de Adão.
– Eis-me aqui, Senhor – ele respondeu.
E Deus falou:
– Eu lhe disse uma vez: “você é pó e ao pó voltará”; agora eu lhe prometo a ressurreição. Você despertará no dia do julgamento, quando todas as gerações de homens que brotarão da sua descendência erguer-se-ão do túmulo.
Deus então selou a sepultura, para que ninguém fizesse mal a ele durante os seis dias que teriam de passar até que sua costela lhe fosse devolvida, mediante a morte de Eva.
ADÃO: A morte de Eva
Eva passou chorando o intervalo entre a morte de Adão e a sua. O que a incomodava em particular era não conhecer o paradeiro do corpo de Adão, pois ninguém além de Sete havia estado desperto quando o anjo o enterrara. Quando aproximou-se a hora de sua própria morte, Eva suplicou para ser enterrada no mesmo lugar em que jaziam os restos do marido.
– Senhor de todos os poderes! – orou ela – Não separe a sua serva do corpo de Adão, de quem me tirou e de cujos membros me formou. Permita-me, mulher indigna e pecadora, adentrar a habitação dele. Da forma como estivemos juntos no Paraíso, não separados um do outro; da forma como fomos tentados a transgredir a sua lei, não separados um do outro; da mesma forma, Senhor, não separe-nos agora.
Ao final da oração, erguendo os olhos para o céu, acrescentou a petição: “Senhor do mundo! Receba o meu espírito!”, e entregou sua alma a Deus.
ADÃO NÃO DEVE SER RESPONSABILIZADO PELA MORTE DOS HOMENS.
O arcanjo Miguel veio e ensinou Sete a preparar Eva para o sepultamento, depois do que três anjos desceram e enterraram o corpo no túmulo com Adão e Abel. Miguel então disse a Sete:
– Você deve enterrar todos os homens dessa forma, até o dia da ressurreição – e depois de dar essa ordem, acrescentou: – Não lamente a morte por mais do que seis dias. O repouso do sétimo dia é o símbolo da ressurreição no último dia, pois no sétimo dia Deus descansou de toda obra que havia criado e feito.
Embora a morte tenha sido trazido ao mundo por Adão, ele não pode ser responsabilizado pela morte dos homens. Certa ocasião ele disse a Deus:
– Não me preocupa a morte dos perversos, mas não me agradaria que os piedosos me condenassem e colocassem em mim a culpa pela sua morte. Não faça, eu lhe rogo, menção da minha culpa.
E Deus prometeu que satisfaria o seu desejo. Portanto, quando um homem está para morrer, Deus lhe aparece e diz que sente-se e coloque por escrito tudo o que fez durante a sua vida, “pois”, Deus diz a ele, “você está morrendo por causa dos seus próprios atos de perversidade”. Quando o registro está concluído, Deus ordena que a pessoa sele o documento com seu selo pessoal. Este é o documento que Deus apresentará no dia do julgamento, declarando a cada um os seus próprios feitos. Logo que a vida do homem é extinguida ele é apresentado a Adão, a quem acusa invariavelmente de ter causado a sua morte. Adão, porém, rejeita a acusação:
– Cometi uma única transgressão. Haverá algum de vocês, por mais piedoso que seja, que não seja culpado de mais de uma?

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