Com a expansão da humanidade a corrupção acentuou-se. Enquanto Noé era vivo os descendentes de Sem, Cão e Jafé apontaram um príncipe para governar cada um dos três grupos: Ninrode sobre os descendentes de Cão, Joctã sobre os descendentes de Sem e Feneque sobre os descendentes de Jafé. Dez anos depois da morte de Noé o número de pessoas sujeitas aos três príncipes era da escala de milhões.
Quando esse enorme contingente de homens, em suas incursões, chegou à Babilônia, disseram uns aos outros:
– Vejam, chegará a hora em que, no fim dos dias, vizinho se apartará de vizinho e irmão de irmão, e travarão guerra uns contra os outros. Venham, construamos para nós uma cidade, e uma torre cujo topo chegue até o céu; dessa forma faremos com que nosso nome se torne celebrado sobre a terra. Agora fabriquemos tijolos, e cada um escreve seu nome sobre o seu tijolo.
Todos concordaram com essa proposta, exceto os doze piedosos, entre eles Abraão, que recusaram-se a juntar-se aos outros. Esses foram agarrados pelo povo e levados diante dos tres príncipes, aos quais forneceram a seguinte razão para a sua recusa:
– Não fabricaremos tijolos, e tampouco permaneceremos com vocês, pois não reconhecemos nenhum outro além do único Deus, a quem servimos. Ainda que vocês nos atirem no fogo para queimar com os tijolos, não abraçaremos a conduta de vocês.
Ninrode e Feneque foram tomados de tamanha fúria pela posição dos doze homens que resolveram atirá-los ao fogo. Porém Joctã, além de ser temente a Deus, era parente próximo dos homens que estavam sendo julgados, e tentou salvá-los. Joctã propôs a seus dois colegas que concedessem a eles um postergamento de sete dias. Tal era a deferência que lhe era concedida como primaz entre os três, que seu plano foi aceito. Os doze foram encarcerados na casa de Joctã.
De noite ele mandou que cinquenta de seus servidores colocassem os prisioneiros montados sobre mulas e os levassem para as montanhas, para que escapassem à punição. Joctã proveu-lhes sustento para um mês; ele estava convicto de que nesse meio tempo o sentimento com relação a eles iria mudar, ou o próprio Deus ajudaria os fugitivos.
Onze dos prisioneiros assentiram com gratidão a esse plano. Apenas Abraão o rejeitou:
– Vejam, hoje fugimos para as montanhas a fim de escapar do fogo, mas se animais selvagens das montanhas nos atacarem e devorarem, ou se a comida faltar, teremos sido apanhados pelo povo da terra em fuga e morrendo em nossos pecados. Ora, tão certo quanto vive o Senhor, em quem confiamos, não sairei deste lugar no qual eles me aprisionaram, e se for o caso de que deverei morrer pelos meus pecados, morrerei pela vontade de Deus, em conformidade com o seu desejo.
Em vão Joctã tentou persuadi-lo a partir, mas Abraão permaneceu firme em sua recusa. Ficou sozinho, deixado para trás, na prisão domiciliar, enquanto os outros onze empreenderam sua fuga. Ao término do período de remissão, quando o povo voltou exigindo a morte dos doze cativos, Joctã só tinha Abraão para apresentar a eles. Como desculpa, disse que os demais haviam conseguido fugir durante a noite.
Quando o povo estava prester a agarrar Abraão e atirá-lo no forno de cal, houve de repente um terremoto e uma língua de fogo lançou-se para fora da forno. Todos que estavam ali ao redor, oitenta e quatro mil pessoas, foram consumidos, enquanto Abraão permaneceu intocado. Ele então foi ao encontro de seus onze amigos nas montanhas e relatou-lhes o milagre que havia ocorrido em seu favor. Voltaram todos com ele e, sem serem molestados pelo povo, deram louvor e graças a Deus.
NOÉ: Ninrode
O primeiro líder a corromper os homens foi Ninrode. Seu pai, Cuche, havia casado com a mãe de Ninrode já em idade avançada. Na qualidade de filho da sua velhice, Ninrode, fruto dessa união tardia, era especialmente querido por ele.
O pai de Ninrode deu a ele roupas feitas das peles com as quais Deus cobrira Adão e Eva na ocasião em que deixaram o Paraíso. Cuche havia chegado à posse delas através de Cão. De Adão e Eva as peles haviam passado a Enoque, e dele a Matusalém, e dele a Noé, e este as havia levado consigo para dentro da arca. Quando os ocupantes da arca estavam para deixar o seu refúgio, Cão roubara as vestes e as escondera, passando-as adiante finalmente para seu primogênito Cuche. Cuche, por sua vez, mantivera as peles escondidas por muitos anos. Quando seu filho Ninrode fez vinte anos, Cuche deu-as a ele.
Essas vestimentas tinham uma propriedade assombrosa: quem as trajava tornava-se ao mesmo tempo invencível e irresistível. As feras e aves do campo prostaram-se diante de Ninrode logo que viram-no vestido com elas, e ele tornou-se ainda vitorioso em todos os seus combates com os homens. A fonte desta força inconquistável as pessoas desconheciam; atribuíam-na à sua bravura pessoal, pelo que apontaram-no como seu rei.
Isso ocorreu depois de um conflito entre os descendentes de Cuche e os descendentes de Jafé, conflito do qual Ninrode emergeu triunfante, tendo afugentado o inimigo por completo com o auxílio de um punhado de combatentes.
Ninrode escolheu Sinar como sua capital. A partir dali ele estendeu cada vez mais o seu domínio, até chegar, através de astúcia e força, à condição de governante único do mundo. Foi primeiro mortal a alcançar domínio universal; o nono governante a possuir o mesmo poder será o Messias. A impiedade de Ninrode acompanhou o incremento do seu poder. Desde o dilúvio não havia existido pecador como Ninrode, que criava ídolos de madeira e pedra e prestava-lhes adoração. Não satisfeito em viver por si mesmo uma vida sem Deus, fazia tudo que podia para tentar seus súditos a que abraçassem os caminhos da maldade, no que tinha a assistência e cumplicidade de seu filho Mardon. Este seu filho superava o pai em iniquidade; foi a época e a vida desses dois que inspirou o provérbio “dos ímpios procede a impiedade.”
O formidável sucesso que acompanhava todas as iniciativas de Ninrode gerou um resultado sinistro. Os homens deixaram de acreditar em Deus, passando a crer em sua própria bravura e habilidade, atitude com a qual Ninrode buscava converter o mundo todo. Pelo que as pessoas diziem: “desde a criação do mundo não houve outro como Ninrode, potente caçador de homens e feras e pecador diante de Deus”.
Mas não foi suficiente para a ambição maligna de Ninrode. Como se não bastasse levar os homens para longe de Deus, fez todo o possível para que lhe prestassem as honras que cabem à divindade. Apregoou-se como deus, e fez para si um trono que imitava o trono de Deus: uma torre construída a partir de uma rocha redonda, sobre a qual colocou um trono de cedro, sobre o qual erguiam-se por sua vez, um após o outro, quatro tronos – de ferro, de cobre, de ouro e de prata. Coroando todos eles, sobre o trono de ouro, repousava uma pedra preciosa, de formato redondo e tamanho gigantesco. Esta servia-lhe de torno e, quando ele se assentava sobre ela, todas as nações vinham e prestavam-lhe divina adoração.
NOÉ: A torre de Babel
A perversidade e a irreligiosidade de Ninrode atingiram seu clímax na construção da torre de Babel. Seus conselheiros apresentaram o projeto de edificação da torre, Ninrode concordou, e foi executado em Sinar por uma multidão de seiscentos mil homens. O empreendimento era nada mais nada menos do que rebelião contra Deus, e entre os edificadores havia três classes de rebeldes. O primeiro grupo dizia “subamos até o céu e travemos guerra contra ele”, o segundo grupo dizia “subamos até o céu, instalemos ali nossos ídolos e prestemos adoração a eles”, e o terceiro dizia “subamos até o céu e devastemo-lo com nossos arcos e lanças”.
Muitos anos foram gastos na construção da torre, que atingiu tamanha altura que era necessário um ano inteiro para chegar ao topo. Um tijolo tornou-se, portanto, mais precioso aos olhos dos construtores do que um ser humano. Se um homem caía e encontrava sua morte, ninguém se dava conta, mas se um tijolo caía e se quebrava todos choravam, porque seria necessário um ano para substitui-lo.
Tão obcecados estavam em atingir o seu propósito que não permitiam que uma mulher interrompesse seu trabalha na confecção de tijolos mesmo quando chegava a hora do parto. Modelando tijolos ela dava à luz seu filho e, amarrando-o junto ao corpo com um lençol, continuava fazendo tijolos.
Não diminuíam jamais o ritmo do trabalho, e das alturas vertiginosas que haviam atingido lançavam continuamente flechas em direção ao céu. Viam que as flechas voltavam cobertas de sangue, pelo que reforçavam a sua ilusão e gritavam:
– Matamos todos que estão no céu!
Diante disso Deus voltou-se para os setenta anjos que circundam seu trono e disse:
– Ora, desçamos e confundamos a linguagem deles, para que não entendam a fala um do outro.
E assim foi. A partir daquele momento ninguém soube o que o outro estava dizendo. Se um pedia argamassa, o outro lhe dava um tijolo; num acesso de fúria, o segundo jogava o tijolo no primeiro e o matava. Muitos morreram dessa forma, e os restantes foram punidos de acordo com a rebeldia da sua conduta. Os que haviam dito “subamos até o céu, instalemos ali nossos ídolos e prestemos adoração a eles”, Deus transformou em macacos e fantasmas; os que havia proposto atacar o céu com suas armas, Deus fez com que lutassem uns com os outros de modo a que caíssem em combate; e os que haviam decidido travar uma guerra contra Deus no céu foram espalhados por completo sobre a face da terra.
Quanto à torre incompleta, uma parte afundou terra adentro, outra foi consumida pelo fogo; apenas um terço permaneceu de pé. O lugar onde foi construída a torre jamais perdeu sua qualidade peculiar: qualquer um que passa por ali esquece tudo que sabe.
Em relação ao tamanho da sua transgressão, foi branda a punição infligida sobre a geração pecaminosa da torre. Por sua rapinagem a geração do dilúvio foi destruída por completo, enquanto que a geração da torre foi poupada a despeito de suas blasfêmias e de todos seus demais atos ofensivos a Deus. A razão disto está em que Deus tem em alta conta a paz e a harmonia. Por isso a geração do dilúvio, em que as pessoas entregavam-se a saques e depredações e nutriam ódio uns pelos outros, foi extirpada até a raiz, enquanto a geração da torre de Babel, em que as pessoas conviviam amigavelmente e amavam umas às outras, foi poupada pelo menos em parte.
Além da punição do pecado e dos pecadores através da confusão da fala, outra circunstância notável permanece ligada à descida de Deus à terra – sendo esta uma das dez descidas dessa natureza que devem ocorrer entre a criação do mundo e o dia do julgamento. Foi nessa ocasião que Deus e os sessenta anjos que circundam seu trono fizeram um sorteio sobre diversas nações da terra. A cada anjo foi sorteada uma nação, e a sorte de Israel recaiu sobre Deus. A cada nação foi destinado um idioma, sendo o hebraico – a linguagem usada por Deus na criação do mundo – reservada para Israel.
* * *
Entre Noé e Abraão houve dez gerações; isso ocorreu de modo a demonstrar a clemência de Deus, porque todas essas gerações provocaram a sua ira, até que nosso pai Abraão veio e recebeu a recompensa por todas. Foi por causa de Abraão que Deus se mostrou longânimo e paciente durante as vidas dessas dez gerações.
Não apenas isso, o próprio mundo foi criado devido aos méritos de Abraão. Seu advento foi revelado a seu ancestral Reú, que proferiu a seguinte profecia por ocasião do nascimento de seu filho Serugue: “Desta criança, na quarta geração, nascerá aquele que fará sua habitação no altíssimo; ele será chamado de perfeito e sem mácula e será pai de nações; sua aliança não será anulada, e sua descendência se multiplicará para sempre.”
Na verdade já não era sem tempo que o “amigo de Deus” aparecesse sobre a face da terra. Os descendentes de Noé estavam afundando cada vez mais na devassidão; começavam a envolver-se em disputas e assassinatos, a comer sangue, a construir cidades fortificadas e muralhas e torres, a colocar um único homem como rei sobre toda a nação, a travar guerras, povo contra povo, nação contra nação e cidade contra cidade; praticavam toda sorte de maldade, adquirindo armas e ensinando a arte da guerra a suas crianças. Começaram a fazer prisioneiros e vendê-los como escravos. Começaram a fazer para si imagens fundidas, cada um passando a adorar a imagem fundida que fizera para si, pois os espíritos malignos, sob a liderança de Mastema, desviavam-nos para o caminho do pecado e da impureza. Por essa razão Reú deu a seu filho o nome de Serugue/ramificado, porque toda a humanidade se desviara para o caminho do pecado e da transgressão. Quando Serugue atingiu a maioridade ficou demonstrado que o nome fora bem escolhido, pois ele também adorou ídolos, e quando teve ele mesmo um filho, chamado Naor, instruiu-o nas artes dos caldeus, ensinando-o a ser adivinho e praticar artes mágicas de acordo com os sinais dos céus.
Quando chegou a hora e Naor teve um filho, Mastema mandou corvos e outros pássaros para que despojassem a terra e roubassem dos homens os frutos de seu trabalho. Logo que deitavam a semente no sulco do arado, e antes que pudessem cobri-la com terra, os pássaros vinham e levavam-na da superfície do solo. Por isso Naor deu a seu filho o nome de Tera/vagabundo, porque os corvos e outros pássaros atormentavam os homens e devoravam suas sementes, reduzindo-os à miséria.
ABRAÃO: O nascimento de Abraão
Tera casou-se com Emtelai, filha de Karnavo, e o fruto da sua união foi Abraão. Seu nascimento tinha sido lido nas estrelas por Ninrode, pois esse rei perverso era também um hábil astrólogo, e ficou manifesto a ele que nos seus dias nasceria um homem que se levantaria contra ele e exporia triunfalmente a mentira da sua religião. Em seu terror diante do destino previsto para ele pelas estrelas, Ninrode mandou chamar seus príncipes e governadores, e pediu-lhes que o aconselhassem a respeito da questão.
Eles responderam:
– Nossa recomendação unânime é que o senhor construa uma grande casa, coloque uma guarda na entrada, e faça anunciar em todo o seu reino que todas as mulheres grávidas devem dirigir-se até ali com suas parteiras, as quais devem permanecer com elas até que tenham dado à luz. Quando chegar a hora do parto e a criança nascer, será dever da parteira, se for menino, matá-lo. Se for menina, será mantida viva, e a mulher recebera presentes e vestidos caros, enquanto um arauto promulgará: “Assim é tratada a mulher que tem uma filha!”
O rei agradou-se da recomendação deles, e fez com que uma proclamação fosse publicada no reino inteiro, convocando todos os arquitetos para que construíssem uma grande casa, com sessenta varas de altura e oitenta de largura. Uma vez concluída ele emitiu uma segunda proclamação, convocando todas as mulheres grávidas até a casa, onde deveriam permanecer em regime de confinamento.
Oficiais foram apontados para levar as mulheres até a casa, e guardas foram colocados nela e nos seus arredores, para impedir que escapassem. Ele além disso mandou parteiras para a casa, e ordenou que matassem os filhos homens no próprio seio de suas mães. Se a mulher desse à luz uma filha, a parteira deveria envolvê-la em bisso, seda e trajes bordados, e levá-la para fora da casa de detenção entre grandes honrarias.
Nada menos do que setenta mil crianças foram massacradas dessa forma. Então os anjos foram à presença de Deus e disseram:
– O senhor não vê o que está fazendo Ninrode filho de Canaarl, aquele pecador e blasfemador, matando tantas crianças inocentes que nada de mal fizeram?
Deus respondeu:
– Santos anjos, sei e vejo, pois não durmo nem caio no sono. Contemplo e conheço as coisas secretas e as coisas que são reveladas, e vocês testemunharão o que farei a esse pecador e blasfemador, pois voltarei minha mão contra ele para castigá-lo.
Foi nessa época que Tera tomou como esposa a mãe de Abraão, e ela estava grávida. Quando, depois de três meses de gravidez, seu corpo cresceu e seu semblante empalideceu, Tera disse a ela:
– O que está afligindo você, minha esposa? Porque seu semblante está tão pálido e seu corpo tão inchado?
– Todo ano sofro desse mal – ela respondeu.
Mas Tera não se deu por satisfeito, e insistiu:
– Mostre-me o seu corpo. A mim parece que você está esperando um bebê. E, se estiver, não nos cabe violar a ordem de nosso deus Ninrode.
Quando ele apalpou o corpo da esposa, um milagre aconteceu. A criança ergueu-se até ficar sob os seios dela, e Terá não sentiu nada com as mãos.
– Você está dizendo a verdade – ele disse à esposa, e nada ficou visível até o dia do parto.
Quando chegou a hora a mulher deixou a cidade tomada de grande terror e perambulou na direção do deserto, caminhando ao longo da orla de um vale, até deparar-se com uma caverna. Ela entrou nesse refúgio, e no dia seguinte foi tomada de dores e deu à luz um filho. Como que com o esplendor do sol, toda a caverna encheu-se com a luz do semblante da criança, e a mãe encheu-se de júbilo. O filho que ela gerou foi nosso pai Abraão.
Lamentando-se, a mãe disse ao filho:
– Triste é que você tenha nascido numa época em que o rei é Ninrode. Por sua causa setenta mil meninos foram massacrados, e por causa de você estou aterrorizada, com medo que ele ouça da sua existência e mate você. Melhor é que você morra nesta caverna do que meus olhos tenham de vê-lo assassinado no meu seio.
Ela removeu o vestido que trajava e envolveu com ele o menino.
– O senhor permaneça com você. Que ele não lhe falte nem o deixe.
E abandonou-o sozinho na caverna.
por favor , da onde vem a fonte , quais são os livros historias que contem isso?
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